21 de jul. de 2020

CONTRIBUIÇÕES DOS QUINTAIS AGROFLORESTAIS NO COMBATE AO COVID-19



Quintal agroflorestal às margens da estrada de ferro no bairro Vila Rica em Pindamonhangaba (SP), Brasil.

Autor: Antonio Carlos Pries Devide
Eng. Agrônomo, Dr., PqC do Polo Regional Vale do Paraíba APTA
antoniodevide@apta.sp.gov.br

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) alerta que a destruição de habitats naturais fez emergir pandemias de doenças transmitidas de animais para humanos, como o Ebola, a gripe aviária H5N1, o Zika Vírus e o COVID-19. Essas doenças refletem os desequilíbrios ambientais gerados por sociedades contemporâneas com o cultivo de monoculturas, criações extensivas ou o confinamento de animais em larga escala, mineração e expansão de cidades com áreas urbanizadas impermeabilizadas e sem conexão com a matriz florestal que as cercava.
O ressurgimento da febre amarela no Sudeste do Brasil ocorreu após extensas áreas de matas ciliares serem degradadas com o rompimento da barragem de Mariana. Os surtos de malária dispararam na região Norte com o desmatamento da Floresta Amazônica e os casos prováveis de dengue, que atingiram mais de 1.69 mi de pessoas no Brasil no ano de 2015, com 44% das ocorrências no estado de São Paulo, se deram em decorrência da degradação do meio ambiente e extinção dos agentes de controle natural do mosquito transmissor Aedes aegypti.
Os principais fatores que favorecem a pandemia de COVID-19 no Brasil são: a pobreza decorrente da concentração de riquezas e o baixo nível de instrução; a falta ou a má alimentação baseada em produtos industrializados, ricos de ingredientes sintéticos que realçam o sabor, a cor, que garantem a estabilidade por longos períodos, mas que prejudicam a saúde por baixar a imunidade e predispor doenças em pandemias, tais como a diabetes tipo 2, a obesidade e problemas cardiovasculares. A fragilidade no controle da qualidade dos produtos vegetais e animais quanto aos níveis de resíduos de agrotóxicos, antibióticos e de contaminantes virais também ampliam os riscos para a população. Os óbitos pelo COVID-19 são favorecidos por doenças pré-existentes e por condições precárias de nutrição e saúde. 
Nesse cenário emerge a agricultura urbana baseada na agroecologia, uma ciência sistêmica que une às técnicas sustentáveis de produção de alimentos aos aspectos da biodiversidade, da organização social nas relações de geração e partilha dos conhecimentos, do fortalecimento da agricultura familiar com sistemas locais de produção e de consumo que possibilitam reduzir a dependência por insumos externos e promover a soberania e a segurança alimentar e nutricional, melhorando a qualidade de vida e do ambiente, especialmente em comunidades marginais.
A agricultura urbana é uma prática cada vez mais comum na vida de pessoas que buscam na relação com as plantas estabelecer um novo sentido para a vida, seja por uma alimentação saudável, seja como terapia o ato de ‘mexer com a terra’. Em um planeta cada vez mais urbanizado e globalizado a produção de alimentos frescos como frutas, vegetais, fungos e produtos de origem animal, como o mel de abelhas nativas sem ferrão, dobrou globalmente em pouco mais de 15 anos e essa tendência seguirá crescendo à medida que as pessoas perceberem que é estratégica a produção e o consumo de alimentos produzidos localmente de maneira limpa em época de crise.
Os quintais agroflorestais (SAF) são modelos de produção que incluem arbustos e árvores manejados com múltiplos propósitos: para aumentar a biodiversidade e trazer equilíbrio biológico para o sistema, para sombra e bem estar ao trabalhador, como quebra-vento, para produção de adubo verde através da queda das folhas e da poda e como tutor de plantas trepadeiras, p.ex.
Nesse trabalho foram identificados os sistemas de agricultura urbana no município de Pindamonhangaba-SP, na região Metropolitana do Vale do Paraíba (Rio-São Paulo), com a descrição qualitativa de um quintal agroflorestal. Foram relacionadas espécies cultivadas, o hábito de crescimento, a idade, o arranjo de plantio, o manejo, usos e o valor dos alimentos.
Ao percorrer um trajeto entre os bairros Lessa, Vila Rica e Mombaça (Figura 1) foram quantificadas as áreas de agricultura urbana.
Figura 1. Imagem aérea da fronteira agrícola e dos bairros analisados no polígono amarelo, Pindamonhangaba-SP (Abr-2020). Fonte Google Earth.
Nos bairros populosos em que os terrenos são menores há pelo menos duas dezenas de áreas cultivadas em faixas de terras às margens da Estrada de Ferro Central do Brasil e de áreas ciliares dos Córregos do Vila Rica e Campos Maia, que contornam os bairros do Lessa, Vila Rica e Mombaça. Além disso, nas calçadas e jardins internos em reduzidos espaços ou mediante o cultivo em latas, vasos e jardineiras são cultivadas plantas alimentícias, medicinais e condimentares. Os moradores relatam que essas atividades são realizadas por lazer; para obter alimentos frescos; manter a limpeza das áreas que muitas vezes foram restauradas pelos próprios moradores por servirem ilegalmente como locais de depósitos de lixo; promoção do embelezamento do entorno das moradias com benefícios à saúde com o consumo de alimentos frescos e saudáveis e o bem estar coletivo com o asseio, a sombra de árvores; e o favorecimento do controle biológico de pragas como o Aedes aegypti. Em três situações havia pescadores em córregos e ribeirões dessas áreas.
Na análise do quintal agroflorestal em unidade familiar, com área total de 720 m² e área cultivada de cerca de 350 m², verificou-se o cultivo de 44 espécies vegetais com elevada biodiversidade funcional, com ênfase em plantas alimentícias não convencionais (PANCs) que produzem alimentos o ano todo enquanto as frutíferas sazonais intercalam produções.
O cultivo em consórcios é realizado em pequenas ilhas onde as espécies se distribuem em diferentes estratos (alturas) de maneira similar ao que ocorre em uma floresta (Tabela 1).
Tabela 1. Relação de espécies de acordo com o estrato que ocupam nas ilhas de vegetação de um quintal agroflorestal em área urbana em Pindamonhangaba – SP (abril – 2020)

Na porção frontal são cultivadas 5 ilhas. A ilha 1 em um canto do terreno dois arbustos de cabeludinha tem os ramos verticais suprimidos, produzindo cada um cerca de 2 kg de frutos. A pitangueira com a copa reduzida ocupa o estrato acima das cabeludinhas. A bananeira ornamental embeleza o jardim, mas é podada cedendo a matéria orgânica para as frutíferas.
A ilha 2 na lateral tem a palmeira juçara nativa da Mata Atlântica produzindo 3 cachos/ano com cerca de 1,0 quilo de frutos/cacho, obtendo-se ao todo após a despolpa manual cerca de 1,5 kg de polpa concentrada congelada para uso tal como o açaí da Amazônia, e mais 2,5 litros de suco. 
A ilha 3 e a ilha 4 contêm cada uma com um jerivá que produz seis cachos/ano com cerca de 25 kg cada um totalizando 300 kg de frutos, que são consumidos pela avifauna, principalmente maritacas, tucanos e registros de jacus no local. Há demanda por um sistema de despolpa para possibilitar o consumo em larga escala do jerivá.
A ilha 5 abrange um mix de arbóreas e arbustos que são podados (topiaria). Sobre essa vegetação são cultivados cipós: sacha-inchi e maracujá. As castanhas da sacha são descascadas, torradas em forno elétrico por 10 minutos e armazenadas para o consumo.
A ilha 6, assim com as demais se situam nos fundos do terreno. Uma mangueira frutifica no verão. Ao lado, uma jabuticabeira frutifica quase o ano todo sob a copa da mangueira. As palmeiras jerivá e juçara são emergentes e junto com o jerivá sobrepõem o dossel da mangueira. No sub-bosque são cultivadas espécies que toleram sombra (açafrão e taioba).
A ilha 7 contém o pati que é outra palmeira emergente do litoral; logo abaixo a condessa produz em média 30 kg de frutos com o consumo in natura e fácil despolpa que possibilita o congelamento da polpa. O limoeiro ao lado frutifica ao lado da bananeira e mais ao lado há um pau-viola manejado com poda como tutor de orquídeas.
Na ilha 8 a juçara produz 3 cachos/ano, a bananeira produz 2 cachos/ano de cerca de 15 kg. Ao lado 2 moringas são podadas a 1,50 m de altura gerando folhagem consumida em saladas, funcionando como tutor para o cará-moela, junto da mirra. Mais ao lado uma moita de ora-pro-nóbis é podada anualmente ofertando abundante quantidade de folhas proteicas.
A ilha 9 contém uma juçara tutor do pepino-crioulo. Abaixo um araçá amarelo recebe podas anuais e produz frutos consumidos in natura. Ao lado e abaixo há pariparoba, labasca, taioba, gengibre ornamental e helicônias. Uma parreira de guaco completa essa ilha.
A ilha 10 é formada por um jerivá, abaixo uma embaúba seguida de bananeira / cambucá e juçara em associação; de outro lado há bananeira figo, mexerica e goiabeira com melão-de-são-caetano. O cambucá iniciou a frutificação aos 9 anos. Abaixo dessas espécies há cana-do-brejo, taioba, araruta, helicônias e calatea, que embelezam o jardim.
As árvores presentes nos SAF ou na arborização urbana, em jardins e áreas públicas, melhoram a qualidade de vida da população ao reduzir a temperatura e a carga de poluentes na atmosfera, ao aumentar a umidade do ar e promover o equilíbrio biológico, ao interceptar as chuvas e reduzir o escorrimento superficial ao fortalecer a penetração da água no solo, o que é fundamental para evitar a sobrecarga nos sistemas de águas pluviais e prevenir enchentes em áreas tais como àquelas visitadas, contornadas por ribeirões.
A tabela 2 detalha a descrição, o manejo e os usos das espécies no quintal agroflorestal.
Tabela 2. Caracterização das espécies de um quintal agroflorestal com descrição do hábito de crescimento, manejo de poda, idade, produto obtido, usos e benefícios para a saúde (Pindamonhangaba – SP, abril - 2020)

Os quintais agroflorestais são estratégicos para o equilíbrio ambiental na área urbana, mas demandam políticas públicas que favoreçam essa prática, pois, são sistemas que produzem mais alimentos por unidade de área e benefícios muito superiores do que monoculturas, além de despertar a cidadania e introduzir os habitantes na restauração ecológica.
Nesse trabalho foram registradas as contribuições da agricultura urbana e dos quintais agroflorestais na promoção da saúde e prevenção de COVID-19, por quatro motivos:
- Fortalecem a segurança alimentar e nutricional por meio do consumo de alimentos frescos que melhoram o sistema imunológico para combater os efeitos das doenças.
- Promovem o equilíbrio psicoativo por meio do trabalho diário no manejo e embelezamento dos jardins, na elaboração de arranjos florais, banhos de ervas e consumo de chás, que são atividades integrativas e complementares que melhoram a percepção dos caminhos a percorrer para superar os desafios da pandemia.
- Geram renda com o comércio de excedentes da produção.
- Promovem o reequilíbrio do meio ambiente urbano.
Referências bibliográfica
Altieri M. A., Nicholls C. I. A agroecologia em tempos de Covid-19. 2020.
Amador D. B. 2008. Restauração de ecossistemas com sistemas agroflorestais. In: Restauração Ecológica de Ecossistemas Naturais. Kageyama et al. (orgs.). Botucatu – SP: Fundação de Estudos e Pesquisas Agrícolas e Florestais – FEPAF, pp. 333-339.
Brasil. Ministério da Saúde. Situação epidemiológica / Dados. Disponível em: <https://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/dengue/situacao-epidemiologica-dados> Acesso em: 01 mai. 2020.
Kinupp V. F., Lorenzi H. Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil: guia de identificação, aspectos nutricionais e receitas ilustradas. São Paulo: Instituto Plantarum de Estudos da Flora, Acesso em: 24 jan. 768 p. 2011.
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Coronavirus outbreak highlights need to address threats to ecosystems and wildlife. 03 Mar 2020. Disponível em: <https://www.unenvironment.org/news-and-storis/story/coronavirus-outbreak-highlights-need-address-threats-ecosystems-and-wildlife> Acesso em: 01 mai. 2020.
Rosenzweig C., Solecki W., Romero-Lankao P., Mehrotra S., Dhakal S., Bowman T. & Ali Ibrahim S. ARC3.2 Summary for City Leaders. Urban Climate Change Research Network. Columbia University. New York. 2015.


Artigo submetido em: 05/2020 ao periódico Pesquisa & Tecnologia da APTA Regional



13 de jul. de 2020

Nota técnica: A Estratificação na Implantação de um Sistema Agroflorestal


Estudo de caso


MUTIRÃO AGROFLORESTAL AGROECOLÓGICO NO SÍTIO ECOLÓGICO 
DO CAMPONÊS VALDIR MARTINS 
Dia 15 de fevereiro de 2020
Por: Eng. Agrônomo José Miguel Garrido Quevedo
Colaboração de Verônica Andressa de Castro 


Figura 1: Área de instalação do sistema agroflorestal - SAF no Sítio Ecológico em São José dos Campos (SP).
            O mutirão Agroflorestal teve por finalidade completar uma área de Sistema Agroflorestal com frutíferas iniciado durante o curso “Sistema Agroflorestal Agroecológico” ministrado pelo técnico e consultor em sistemas agroflorestais Namastê Messerschmidt ocorrido em 25/Janeiro/2020 no Sítio Ecológico no Assentamento de Reforma Agrária Nova Esperança, em São José dos Campos, no Vale do Paraíba, estado de São Paulo, Brasil.
A seguir será ilustrado o planejamento do SAF do presente mutirão:
          
Figura 2: Croqui de parcela agroflorestal com a distribuição das espécies (sem escala) no Sítio Ecológico em São José dos Campos (SP). Elaborada por Verônica Andressa de Castro.


            Vale destacar que nas áreas sujeitas à inundação, o cambucá substituiu o abacate e o cambuci entrou no lugar da laranja pera do rio.       
            O principal desafio é o entendimento do arranjo das espécies sugerido. Segundo Miccolis et al. (2016), trata-se de um princípio fundamental nos Sistemas Agroflorestais, do qual se baseia no arranjo das espécies ou culturas que devem formar uma camada ou estrato florestal. Tais camadas de vegetação formam a estrutura florestal que precisa ser planejada, por simplificação sugere-se: estrato emergente, estrato alto, estrato médio e estrato baixo e ainda o estrato rasteiro. A primeira rua desenhada neste SAF, a linha de frutíferas, foi composta por uma espécie de estrato alto, o abacate nas áreas secas e o cambucá nas áreas úmidas. Ao lado destas espécies, é introduzido o araça-boi, espécie de estrato médio/baixo. E no centro deste módulo, o ipê, espécie nativa do estrato alto/emergente.
            Na segunda linha de plantio, considerado como a linha de diversidade e espécies de serviço, foram introduzidas as linhas de banana, no caso, espécie que pertence ao estrato médio (nanicão) e variedade que pertence ao estrato alto (Prata BR Platina), junto de uma espécie de estrato emergente, o eucalipto, no mesmo berço. A cada metro é então introduzido as espécies nativas, 35 espécies no total, entre elas: aroeira, copaíba, pau formiga, pau viola, sangra d´água, manjolim, embaúba e pororoca.




Figuras 3 e 4: Linhas de espécies nativas e frutíferas em alta densidade já instalado no Sítio Ecológico em São José dos Campos (SP).
           
            Na terceira linha, foi introduzido a espécie de estrato médio laranja pera rio, nas partes secas, e o cambuci, nas partes sujeitas à inundação. Nesta linha, será cultivado a espécie leguminosa de serviço, a gliricídia, espécie do estrato alto e o guanandi, espécie madeireira, do estrato emergente.
            Cada espécie foi associada no espaço conforme o estrato em que cada indivíduo irá ocupar de acordo com a exigência a luminosidade, a fertilidade dos solos e a disponibilidade de água existente. (Miccolis et al. (2016).
            Importante destacar que a primeira operação realizada na área foi a introdução de uma espécie de cobertura, que tem o papel de cultura de serviço, ou seja, que cobre o solo e é roçada para o fornecimento de palha sobre as linhas cultivadas: o capim mombaça.
            A fim de auxiliar a compreensão deste conhecimento o técnico Frenando Spalding da Ecoagri (ecoagri.com.br) compilou algumas informações que nos auxiliam no planejamento do Sistema Agroflorestal com foco neste entendimento.
Acesse o link e conheça a proposta de estratificação da Ecoagri: 

           

Foto 5: Área do SAF a ser implantado, onde observa-se a cobertura de capim mombaça no Sítio Ecológico em São José dos Campos (SP).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
MICCOLIS, A., PENEIREIRO, F. M., MARQUES, H. R., VIEIRA, D. L. M., ARCO-VERDE, M. F., HOFFMANN, M. R., REHDER, T., PEREIRA, A. V. B. Guia técnico – Restauração Ecológica com Sistemas Agroflorestais: Como Conciliar Conservação com Produção. Opções para Cerrado e Caatinga. Brasília, Instituto Sociedade, População e Natureza / Centro Internacional de Pesquisa Agroflorestal. 266 p. 2016.
SPALDING, F. Planilha de estratificação e planejamento de consórcios de espécies para Sistemas Agroflorestais. Ecoagri. sem data. 


Adaptação para blog: Antonio Devide - Pesquisador da APTA Polo Vale do Paraíba antoniocarlosdevide@gmail.com