6 de jul. de 2021

ENTREVISTA com PEDRO DE ALCÂNTARA MAGALHÃES PARA O PLANO DE AÇÃO DA REDE AGROFLORESTAL DO VALE DO PARAÍBA

Data: 9/4/2021 - 9h

Local: Sítio do Pedro na Estrada do Pinhão do Borba, Pindamonhangaba.

Entrevistado: Pedro de Alcântara Magalhães - veterinário e produtor agroflorestal 

Entrevistador: Antonio Devide - Pesquisador

Esta entrevista com o meu amigo Pedro (Figura 1) traz muitas informações sobre quais as prioridades que a Rede Agroflorestal precisa trabalhar, a oportunidade da integração da produção animal e vegetal, a necessidade do regimento interno e a certificação participativa, entre outros temas. A oralidade foi preservada. Então, não se avexe com os errinhos de nossa língua. Boa leitura.  

Figura 1. Pedro Magalhães e sua plantação de café em meio a diversidade de espécies: estrato baixo com cúrcuma, alto com banana, paineira e outras espécies, e emergente com mamão e imbiruçú.

Bom dia, eu tô aqui na casa de meu amigo Pedro, vou pedir para você se apresentar pra falar o seu nome e o local que a gente tá.

É, o meu nome é Pedro de Alcântara Magalhães. Eu tô aqui no bairro do Borba em Pindamonhangaba, perto da cidade, a mais ou menos 5 ou 6 km da cidade.

Pedro, essas perguntas que eu vou te fazer é prá um plano de ação da Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba. Você concorda em ceder os direitos da tua voz e do contexto que vai ser a sua resposta pra contribuir com esse plano de ação?

Sim, sim.

Então tá bom. A primeira pergunta que eu vou te fazer é como você chegou ao campo? O que te trouxe pro campo, né? pra produzir e tudo mais, e o que que te trouxe para os sistemas agroflorestais?  

Então Devide, eu na realidade, eu sou... eu sou de uma cidade pequena. Então, a minha família, era uma família de agricultores. Era uma família que plantava café, que plantava... tinha gado caracu, naquela época. Então, a gente sempre teve ligado ao campo na realidade. E meu pai sempre foi uma pessoa, que talvez eu definiria como a primeira pessoa agroflorestal que eu conheci, né? Porque ele era muito, muito, muito ecológico. Ele tinha a fazenda dele... sempre foi uma floresta.

E qual o nome dele?

Irineu Magalhães. Irineu Magalhães. Já falecido. Ele nasceu em 1915. Quer dizer, naquela época não tinha aquele conceito ecológico. Naquela época era prá derrubar as coisas. O nosso conceito brasileiro era de derrubar florestas. A árvore era um incômodo prá todo mundo. E meu pai era uma pessoa, que pelo contrário, plantava árvores. Plantava muita árvores. E... então, esse foi o primeiro contato, na verdade, que eu tive com... como uma coisa ecológica. A gente já nasceu com o pensamento ecológico, né? De respeitar, de plantar mais coisas. Mesmo na época que eu... eu sempre tive sítio... Na época que eu tinha eu plantava no meio do mato. Plantava as coisas. Comprava muda, dava pros outros. Tinha essa preocupação de sempre... é uma coisa que vem dentro da gente, né? Basicamente, quando eu vim estudar medicina veterinária em Botucatu, né? Que... então, continuei. Um tempo trabalhei no campo, né? Trabalhei... naquela época quase ninguém se falava de medicina homeopática, na veterinária, já fazia curso de homeopatia. Então, sempre fui mais dessa área mais natural. Tratamento com homeopata. Tratamento com ervas, coisas que na época nem tinha. Tinha farmacêutico. Então o nosso... o nosso começo foi mais ou menos assim.  

Então a tua origem nos sistemas agroflorestais foi com essa história de família, né?

Sim. Eu também, passei uma época, é... perto de Belo Horizonte, num sítio que era um sítio ecológico. E lá eu comecei a ter mais consciência do que eu fazia. Porque nós távamos num lugar que era totalmente voltado para agricultura orgânica.

Que ano que era esse?

Era mais ou menos 80, 81... mais ou menos, né? Por aí. E eu passei alguns meses morando lá. E com a gente de lá... eu tive a sorte de conhecer um agrônomo que era austríaco, lá. Chamava ‘Frans Lehar’. ‘Frans Lehar’. Ele, na época, já tinha quase uns 80 anos. E ele era totalmente voltado para agricultura orgânica. Mas nem se falava esse nome orgânico.

E qual o nome desse sítio?

É... Mãe D’água. Sítio Mãe D’água.

Belo Horizonte?

Perto de Belo Horizonte. Era perto de Brumadinho, por alí. Então, alí realmente reforçou esse meu conceito de orgânico. De lá prá cá, quando eu saí de lá, nunca mais... fui morar em Mato Grosso, com prestígio lá, comprei propriedade, nunca mais soube o que é comprar um adubo químico. O que que é, nem sei que é quando se fala 4-14-8, nem sei o que que é isso mais. Eu não sei. Passei a trabalhar com rotativa, ervas, coisas mais culturais dentro da veterinária... né? Então, esse, depois, com o tempo me tornei... é... reforçou mais ainda a minha... o meu conceito agroflorestal foi aqui, aqui em Pinda, já. Através de vocês da Rede Agroflorestal. Né? Então, o Devide aqui, sempre um grande professor nosso. Eu sempre dele aqui. Olha, Devide é que me ensinou isso. Me ensinou aquilo. E... então, reforçou ainda mais meu conceito de... de... de ambiental que tá melhorando. É um passo a frente, né? Então, eu acho que esses três... esses três colegas... esses três momentos da minha vida, minha infância, o sítio lá e aqui na Rede reforçou muito a minha...       

Então, na situação recente, mais recente aí, essa fase que você indicou: a Rede Agroflorestal, como é que você define a Rede? Essa...

A Rede Agroflorestal foi fundamental aqui para o momento que nós estamos passando na Terra, inclusive, né? Eu acho que o conceito de agroflorestal é um conceito muito mais amplo, muito mais amplo na minha visão, que o próprio orgânico. Porque a própria terra ela faz, sim, a gente esquece do potencial da terra, a gente acha que a terra é uma coisa inerte, tá alí só prá receber adubo, prá receber... e a gente esquece a reciclagem que a terra faz. Ela é uma coisa viva. É uma coisa que eu noto aqui. Ela se impõe prá gente, a gente precisa aprender com ela. A Rede Agroflorestal é esse... digamos, conceito de humildade que a gente tem que ter. Nós somos apenas um elo dentro da terra, né? Nós somos apenas um pedacinho da vida. Então, o meu conceito... A Rede eu acho fundamental prá conscientizar os agricultores, os consumidores, né? Agregar, não só prá, para o meio ambiente, mas agregar valores assim, digamos, alimentos nutritivos com alta densidade de nutrientes, é o que estão precisando. Então, um conceito que eu acho fundamental da Rede é a recuperação do solo. Quando você recupera o solo, você recupera a vida das pessoas, né? Então, é uma interligação com as coisas. O solo, o ser humano, planta... tá tudo interligado. Quando nós destruímos o solo com a agricultura convencional nós fazemos destruir o homem lá na frente. Então, eu vejo a Rede prá mim é fundamental pro momento que nós estamos vivendo  (Figura 2)


Figura 2. Alta densidade e diversidade de espécies de plantas por metro quadrado em uma terra rica em húmus resultante da decomposição da matéria orgânica da poda de árvores.

Legal, então seria mais uma forma de regenerar essas questões, as ligações... as nossas ligações com a natureza, com a terra...

Sim.

Então, um tempo atrás a gente fez um projeto junto que você foi uma das pessoas que deu sentido pro projeto na escolha do título. Você lembra do título do projeto?

Olha. Aqui no momento, não lembro.

Não? Projeto Regeneração: religando o ser humano à natureza.  

Ah, sim! É...

É legal a gente lembrar desse título agora porque ele marca o início. Foi o primeiro projeto que a Rede Agroflorestal começou sem recurso, eu e você participou dele. A terceira pergunta que eu vou te falar é sobre as contribuições que a Rede, né, deu, até o presente, prá você, prá sua comunidade e a paisagem. A gente pode pensar nessas contribuições como uma questão pontual, né... foi um fermento para que algo acontecesse e eu chegasse aonde eu estou, e esse processo todo até onde eu estou trouxe que benefícios prá você? Que benefícios prás pessoas que mantém uma relação com você, no campo, na cidade, no consumo ou na amizade? E como que isso trouxe mudanças prá paisagem que te cerca?

É, eu começaria pelo final. A paisagem aqui, contando do meu sítio. Especificamente do meu sítio. É... mudou completamente. Eu chegava numa ponta do sítio e enxergava a outra ponta. Tinha algumas árvores que, inclusive, algumas até centenárias, né? Algumas, algumas, árvores grandes que eu tenho aqui. Mas, era só. Basicamente, era só. Então, a paisagem mudou radicalmente. O solo mudou radicalmente, né? A natureza mudou. Hoje eu tenho muito... até cachorro do mato, que tá perto da cidade, eu vejo aqui. Que tão chegando pro alimento. Então, a mudança da paisagem foi drástica, né? Porque, é... mudou completamente, né? A relação que eu acho é... não sei se eu entendi bem a pergunta, com a comunidade, com as pessoas da cidade...

Figura 3. Mudanças na paisagem no sítio do Pedro Magalhães, de 2010 para 2020, a agrofloresta se expandiu, no entorno a plantação de eucalipto diminuiu e as habitações na franja rurbana aumentaram.

E do entorno aqui, também...

Do entorno, eu acho que... eu acho que a gente crontribui pelo exemplo, né? Então, eu vejo assim que as pessoas daqui da região olham a gente, às vezes num primeiro momento, como uma pessoa que não tá fazendo nada. Que tá... aqui é um lugar que o mato cresceu e pronto. Que quando eles vêm aqui... e que eu mostro que tem muita banana, que tem muita goiaba, que tem muita acerola, que tem muito café, muito café, que tem muito mamão, que tem muito... a água tá brotando prá todo lado. Antes eu não tinha nada de água aqui. Hoje a água... tá muito mais abundante. Então a comunidade, pelo exemplo ela vai vendo que é um caminho. É um caminho. Né? E, com relação ao pessoal da cidade eu noto também que... existe hoje uma consciência maior de algumas pessoas em relação ao que consome, em relação ao que tem prá comer, e quando você fala como o seu sistema, como seu alimento é produzido, elas ficam encantadas. Então a gente tem exemplo ... que a gente faz a feirinha lá... Há muitos anos que eu levo os produtos, agora tá com uma barraquinha lá. E a gente vê a pessoa falar... olha, eu, ontem, na última feirinha, uma pessoa falou que não comia alface há muito tempo, porque o alface é ruim, é amargo. Quando ela levou o nosso ela voltou prá falar: olha, o melhor alface que eu comi na minha vida.

Eu comprei alface lá hoje!

Então, porque ele nasce naturalmente. Ele nasce com matéria orgânica. Não tem química prá ele crescer rápido. Então, nós estamos tentando resgatar, assim, aquilo que é natural. Aquilo que a natureza faz. Então, eu acho que a relação nossa com... com a comunidade, por exemplo, tem um senhos que tem um... um exemplo... tem um senhor que tem um filho com uma deficiência e precisava de açafrão. Mas ele não tinha uma confiança do açafrão que ele comprava. Então ele foi falar com a gente, sobre o nosso açafrão. Nós mostramos prá ele como é produzido e o mais importante, a gente deixa a porteira aberta prá quem quiser vir ver. Essa é a maior certificação que a gente pode ter. É você abrir a porteira. Você quer ir lá ver? E ele comprou o açafrão e na outra vez falou a diferença que era do outro açafrão que ele comprava. E o açafrão, eu não digo que estou mais produzindo açafrão. Porque o açafrão, a natureza produz. Eu plantei uma vez, agora ele vem. Então, a gente só vem numa boa, aí, colhendo.

Então, prá você, falou da comunidade, da paisagem,... prá você ajuda em que sentido? Esse trabalho da Rede?

Eu acho que ela (a Rede) ajuda mais na conscientização da gente, tá? Eu acho muito importante. Acho que nenhum trabalho consegue se formar se o ser humano não tiver consciência do que tá fazendo. Se eu simplesmente plantar árvore aqui, sem eu entender o porquê, sem entender os processos, sem entender o que eu vou esperar daqui um, dois, três, quatro anos. Então eu vou simplesmente não entender. Então, a conscientização que a Rede pode, que a Rede forneceu prá mim e pode fornecer prá outras pessoas é fundamental. Eu acho que a conscientização é a coisa mais importante que tem. Porque quando você é consciente, você faz a coisa certa (Figura 4).

Figura 4. Pedro mostra que precisa entender sobre a associação das plantas para fazer SAF: o mamoeiro produz sem varíola (fungo que ataca a espécie) numa ilha de luz,' com café ao fundo. 

Ótimo. A última pergunta, é... a gente vai ter um desafio, porque a gente precisa saber o que fazer, mas também como fazer, né? Então, vou pedir prá você organizar suas ideias e tentar responder prá mim assim: quais as prioridades da Rede para os próximos anos, dentro do Plano de Ação. Lembra que o Plano de Ação pode servir como um documento base prá gente trabalhar a questão da conscientização dos agricultores, dos técnicos, estudantes... ele pode servir prá gente focar a captação de recursos, projetos e mais recursos porque a Rede é uma associação que tá institucionalizada. Então, ela pode buscar editais, concorrer prá receber recursos. Então, eu queria que você visse a Rede como se fosse um lado também... não empresarial, no sentido frio, mas no sentido também da gente poder se organizar melhor prá atender algumas frentes. E que frentes são essas? As frentes prioritárias. Então, provavelmente a gente não consegue fazer tudo. A gente tem que buscar parcerias, também. Mas tem outras situações que já estão em andamento. Mas como Rede, o que você elencaria de prioridade pros próximos anos e como que a gente vai tratar essas prioridades?

É uma pergunta que precisaria pensar muito. Mas eu acredito, Devide, que a primeira coisa que eu, que eu... que eu notei nesses anos que a gente ficou junto, que a gente trabalhou junto, é que sempre que a gente começa a andar em uma direção, a gente já tá corrigindo os erros. Você só corrige os erros se você por a carroça prá andar. Então, eu acho assim, que... eu acho que a Rede ela precisa associar junto ao produtor o lado econômico, também. Porque o produtor tá lá, ele precisa colher o seu pão de cada dia. E muita gente implanta a agrofloresta, como nós vimos na última vez, na última vez quando eu tive lá, que a gente visitou vários produtores, e ele simplesmente achava que abandonava aquilo. Então, nós precisamos inserir o lado econômico dentro da Rede Agroflorestal. Ver qual a necessidade econômica da pessoa, até prá fixar o homem no campo. Prá deixar ela lá. Fazer a coisa ecológica. Fazer a coisa como deve ser feita. Então, esse eu acho que é um aspecto assim... é importante... é importante... aí você falou, não é só uma coisa fria, um lado econômico, frio, mas um lado econômico complicado. Nós estamos precisando realmente é, fazer com que a pessoa pare lá, que o filho dele pare lá. Então, ele precisa ter uma renda. Então, eu acho que o planejamento, nós precisamos, então é aí que eu falo, nós precisamos aprender com quem sabe mais. O japonês, ele diz que pensa em 10 anos e faz em um. E o brasileiro faz em um e fica 10 anos corrigindo. Então, eu acho muito importante, primeiro, planejar mais, conversar mais com a pessoa, por que você quer fazer a agrofloresta? Como? Só prá reflorestar? É uma coisa. Você quer pagar seu pão? Quer mexer com fruticultura, horticultura, pecuária? Então, eu acho isso é fundamental a gente antes de dar continuidade, fazer uma transformação no propósito da Rede. Antes de sair, até por aí... vamos aumentar, vamos chamar mais produtores, vamos fazer... não! Ver o que que cada um quer da agrofloresta. É muito amplo o... a agrofloresta. É muito bonito, porque ela é ampla. Você pode fazer horticultura, fruticultura, você pode criar cabrito, você... Então, eu acho muito importante fazer um planejamento melhor antes de ir na propriedade e conversar antes de implantar. Sentar com a pessoa e fazer um grande planejamento, prá buscar o quê que ela quer.     

Dentro dessa prioridade a gente já sabe que o planejamento, a questão econômica é um dos ponto fundamental prá fixar a pessoa e como fazer isso, né?

Como fazer isso? Com um bom planejamento.

Com um bom planejamento. Dentro das prioridades, qual seria a segunda prioridade... vamos falar assim, primeira, segunda, terceira, até a gente...

É dentro... dentro da área interna da Rede. Primeiro nós precisamos reestruturar essa parte. Fazer um planejamento melhor dessa parte. É... Antes de ir... é que eu falei... antes de ir no produtor, ver o quê que ele quer. Quê que é o sonho dele. Segunda coisa que eu acho dentro da Rede, é ampliar... Isso tá no meu conceito, né? Ampliar... prá fechar o ciclo, eu acho que prá fechar o ciclo de mentes, nós precisamos de animais na agrofloresta. Então, nós precisamos, principalmente, é... nós temos que fazer a agrofloresta com a consciência dele. Nós temos que fazer agrofloresta com ruminantes, nem que seja uma vaquinha só ou com dois, três cabritinhos. Se a pessoa é pequena, uma vaca equivale a oito cabras. Então, ele pode ter uma renda do leite, queijo. Ele pode ter uma renda e aproveitar é... tudo que a Rede Agroflorestal... por exemplo, vou dar um exemplo aqui que eu lembrei agora. O margaridão é muito usado na agrofloresta. Mas o margaridão é uma questão que é uma excelente forrageira. É uma excelente forrageira. Muito nutritivo. Pode ser feito silo com ela. Pode ser feito nutriente.  Então, é... você aproveita, né? O que tem na agroflorestal prá criar esse animal e esse animal vai reciclar os nutrientes que vai ser uma coisa que nunca mais vai acabar. Então, é, é... dentro dessa visão aqui, Devide, eu acho que a Rede teria que ter um núcleo dentro da Rede prá cuidar dessa área. Um terceiro aspecto que eu acho agora, é a gente tentar fazer alguma coisa que possa ouvir os agrofloresteiro. Como assim? Por exemplo, você falou, por exemplo, juçara. Poxa, será que nós podemos tirar açaí da juçara? A região é própria prá juçara. E porque que nós não podemos fazer uma pequena fábrica de polpa, que é uma coisa barata, não precisa de grandes investimentos. Por exemplo, né? Se cinco, seis agrofloresteiros, aí, que criam cabras, por exemplo, porque nós não podemos fazer um minilaticínio, ou uma coisa desse tipo? Então, é reunir todos com um propósito comum, prá farinheira, alguma coisa. Então, esse seria um terceiro aspecto.

Então o terceiro aspecto seria estruturar dentro da Rede áreas específicas, trazer as pessoas para essas áreas e criar um mecanismo que elas pudessem dialogar prá agroindústria de polpa, laticínio,

Isso...

Fábrica de vinagre, cada setor teria sua, seu coletivo e fazendo a... a coisa girar. É, eu vou me adiantar. Você na feira falou uma questão que era ligada à comercialização, certificação. Você pediu para trabalhar esse tema dentro da Rede, prá resgatar. Você mantém isso? Como é que você vê essas duas coisas? Caminham juntas? O quê que você propõe aí? É uma prioridade?

Olha, eu acho que é muita prioridade. Por que o quê que tá acontecendo? Eu acho que sequestraram esse termo orgânico. Eu acho que eles escravizaram o produtor. Eu acho que você pagar por aquilo que você faz é certo? Sendo que o teu vizinho alí, põe fogo, destrói? E você que tá fazendo certo tem que pagar por isso? Isso é um despropósito tal. Que eu acho que o brasileiro acostumou com aquilo que não é... que é um despropósito... Ele acostumou. Então, a gente segue como rebanho. Todo mundo tá fazendo, então eu vou fazer também. Eu vou certificar. Aí vem a certificadora aqui, fica meia hora aqui por ano, por ano, dentro da minha propriedade... são pessoas excelentes, eu não tô falando nada pessoal, são pessoas maravilhosas que vieram aqui... todas elas. Então, não é nada pessoal. Mas eu digo, o sistema. Ficam o máximo, no máximo que ficaram na minha propriedade por ano, foi uma hora. Dessa uma hora, Devide, ficou 40 minutos sentado aqui na mesa, vendo papel. Tá, semente, o que você produziu, o que não produziu, aí dá uma voltinha aqui, eu tô certificado. Então, se você for ver bem, isso é uma tapeação. O cara fala assim, eu finjo que certifico e você finge que acredita. Você finge que vende um produto bom. Então, o quê que eu quero... o que que eu quero dizer aqui, que nós ficamos reféns. Que agora nós precisamos, prá falar que eu sou orgânico, que eu tenho que pagar, e pro pequeno proprietário, o cara paga mil, mil e quinhentos reais por ano, isso quando ele faz certificação em grupo, senão, é muito mais caro. Ele pega dez anos, tem quinze mil reais. Ele tem quinze mil reais em dez anos. Que ele deu prá quem? Deu pro cara falar que ele é orgânico.

Prá gente voltar pro tema da Rede, é uma prioridade a Rede certificar? E isso tá associado... eu queria que você... é... trouxesse esse tema prá cá, assim, duma maneira bem pontual. Prioridade prá Rede...

Eu até já fiz esse preâmbulo aqui do orgânico prá dizer justamente que no caso a Rede Agroflorestal, bom, se for fazer isso aí, não pode cair nos mesmos erros do que eu tô te falando. Porque o que acontece. Nós vamos simplesmente atestar que a pessoa é... é... bom, faz a cosia certa...

Mas é uma prioridade a Rede certificar?

Total! Sim. Certificar. Por quê? Porque eu posso chegar com o meu produto amanhã e dizer: eu produzo no sistema agroflorestal certificado por tal certificadora. Mas essa certificadora não tá lá prá ganhar dinheiro em cima das minhas costas. É uma coisa que tem que ser, na minha visão, Devide, uma coisa assim é... naturalmente. Você, você... Por exemplo a Rede Agroflorestal... A Rede pode ter um atestadinho: o Pedro pertence à Rede Agroflorestal. Não precisa mais que isso. Aí o cara fala, mas quem e a Rede Agroflorestal... Aí, sim, eu vou te falar o que é a Rede Agroflorestal. É assim, assim, assado. Então, eu acho fundamental a gente sair dessa escravidão dos orgânicos. Eu acho bacana, é lógico que tem que ter as diretrizes, tem que ter a... tem que ter a... pode isso, não pode aquilo.

Pedro, aí você falou uma questão central, que precisa ter um certificado de produto agroflorestal e você falou como. A Rede emitir um certificado de que eu sou um associado da Rede Agroflorestal, é isso?

Sim.

Dentro desse processo de... de trazer a pessoa e oficializar a certificação, você falou duma questão de custo, despesa. Que nós não caímos no mesmo erro. Como é que você vê uma Rede funcionando dentro dessa dinâmica. Eu não queria fugir do objetivo de coletar suas perguntas, mas isso é um serviço que seria prestado. Você acha que a Rede deve arrecadar uma colaboração anual, você acha que a Rede deve fazer isso voluntariamente porque a essência da Rede sempre foi esse, esse tipo de serviço?

Então, Devide. Eu acho que aí, é... eu acho que precisa ter muita conversa. Que é lógico que eu não tenho a solução pronta prá você. Eu não tenho aqui a formulazinha pronta. É lógico que tudo hoje em dia tem um custo. A gente quando fez essa associação orgânica, a associação contribuiu... cada um contribuiu um pouquinho por mês. Isso é diferente. Então, paga as despesinhas da associação, né? Isso, então, precisaria, eu acho, a gente conversar mais prá chegar a um denominador comum. Eu não tenho, não tenho aqui a fórmula que seria.

Então a gente pode colocar isso como um quarto ponto, que são os acordos internos? A Rede criar os mecanismos, os momentos prá ter esses acordos internos? (risos)

Sim. 

Isso é uma prioridade, então. Tem que tornar... dar visibilidade a isso. Dentro dessas prioridades, teria mais alguma coisa que você queria falar, colocar pro grupo?

(risos)... Então, o Devide. Eu acho, assim. Tudo, tudo na vida acaba tendo uma solução. E a gente tem que achar um meio termo aí... prá dizer pro consumidor que nós produzimos um alimento saudável. Nós temos que achar isso, esse mecanismo de dizer prá pessoa, olha, você tá comprando uma coisa que você pode ter confiança. Isso que eu acho mais importante, sabe? Porque a gente... a gente, é tá lhe dando com muito tipo de gente, hoje. Hoje, mais desconfia do que confia no ser humano. Um desconfia do outro.

Seria, essa parte seria da comunicação social?

Tá, de uma comunicação assim... eu, o produtor, quando ele tá lá sozinho vendendo o seu produto, distribuindo o seu produto... Ele, ele, eu acho que ele poderia ter uma retaguarda... prá... inspirar confiança no consumidor... né? Então, essa... essa... inspiração de confiança, o orgânico está perdendo. Esse que eu não queria que a agrofloresta perdesse. Porque todo mundo sabe, o cara quando você conversa com ele, e fala, olha: o cara fica meia hora na minha propriedade e me certifica. Mas, depois que ele vai embora, se você quiser botar veneno, você põe? Ué, se eu quiser, eu ponho. E é o que acontece muitas vezes. Aqui aconteceu isso. Em Pindamonhangaba. Aconteceu isso, da pessoa pegar produto em Taubaté, no mercado, lá, no Mercatau, e vender como orgânico. E quem que descobre? A certificadora nunca vai descobrir. Então, é isso que eu acho que a gente precisa tá quando fala em agrofloresta. Eu acho que a agrofloresta é muito mais completo, é muito mais confiável, mas ela precisa é... da gente... o produtor que tá na agrofloresta, ele precisa um papelzinho... olha, eu sou da Rede Agroflorestal, por exemplo. Só isso. Mais nada. Mas dentro do estatuto da Rede tem que estar lá, escrito assim... olha, eu vou visitar a sua propriedade a hora que eu quiser. Tá, se eu chegar lá e ver alguma coisa muito errado eu sou obrigado a te falar.

Dentro da Rede a gente fez um estatuto e ele é um estatuto de uma associação como qualquer outra, quer dizer, ligado... ligado ao padrão, sob o ponto de vista jurídico, mais focado para a agrofloresta, prá agroecologia, prá agricultura familiar... prá esses valores aí. É... agora a gente... a gente tem uma das metas fazer o... o regimento interno.

Regimento interno.

É, isso poderia fazer parte do regimento interno. Eu posso colocar apresentando isso como uma prioridade dentro do regimento interno. As atribuições do associado, o credenciamento dele, e de uma certa maneira, não a fiscalização, né? Mas o reconhecimento.

Eu acho que o acompanhamento.

O acompanhamento. Porteira aberta.

Porque, outra coisa que eu acho que foi um erro muito grande da associação de orgânicos, lógico, que na hora ninguém parou prá pensar nisso. Foi a falta de um regimento interno. Porque a pessoa chegava lá, Devide, você não conhecia a pessoa, você não sabia onde ela tinha a propriedade. Você não sabia nem o nome da pessoa, e já certificavam. Então, a primeira coisa que eu acho... é... uma das coisas que... que... eu acho fundamental, você quer entrar na Rede Agroflorestal como produtor? Quanto mais gente, melhor, Mas, também, não podemos deixar entrar pessoas sem uma boa análise da pessoa.

Envolvimento, né?

Sem envolvimento dela. Sem envolvimento. Saber o que ela pensa, o que ela quer. Como que é a propriedade dela. O quê que ela tá fazendo? Que isso aí desmancha, desmanchou a nossa associação. Uma pessoa consegue desmanchar toda uma estrutura que estava pronta.

Você acha que teria que ter então um tempo de carência dessa pessoa ser... não é aceita, mas é... receber uma declaração de que faz parte...

Eu acho que tem que ter. Porque a gente punha a pessoa na associação de orgânicos, sem nunca ninguém ter entrado na propriedade dela.

E isso é uma tarefa que poderia ser feita pelos vizinhos, né? São os amigos mais próximos e isso fortaleceria o próprio núcleo, né?

Eu acho que foi uma ideia muito bacana da associação dos orgânicos. Eu acho que foi uma sugestão minha, até. Por que não faz uma reunião em cada sítio por mês? Todo mês faz num sítio. Alí você vê, você olha, você ajuda, você vê se a pessoa, tá certa, errada, você dá sugestão.

É, esse é o princípio do sistema participativo de garantia, SPG, né? Então, seria uma forma de a gente trazer isso prá Rede prá gente preparar isso. Dentro dessas prioridades tem mais alguma coisa que você quer colocar aqui, que não passou e precisa ser caracterizada ? É importante.

Olha Devide, eu acho que a gente teve uma boa conversa, sabe? Acho, eu acho muito importante essa... essa... isso que você faz. De coração eu falo. A gente precisa ter uma pessoa que una as outras. Porque, principalmente no meio rural, fica muito isolado um do outro. Apesar de hoje tá todo mundo se comunicando, zap e tal, mas o... alguém que coordena essa turma. Então eu acho muito importante vocês ficarem nessa liderança, sabe? Isso era uma sugestão que... porque sem liderança a coisa não anda. Sem liderança a coisa não anda.

Muito obrigado.

Eu que agradeço.

Obrigado pelo café, pela combucha, pelo vinagre, pelos queijos, um abraço.

Obrigado Devide. Apareça sempre.