Relato
por: Engº Agrº José Miguel Garrido Quevedo
“Meus irmãos
herdaram o gosto pelas verduras, mas o fino do carvão acabou no assentamento. A
legislação orgânica no país proibiu o uso de extrato pirolenhoso devido ao
alcatrão.”
“Me assustei
pelo reumatismo pela friagem.”
”Prefiro me
dedicar à roça, gosto mais de trabalhar na ida com as plantas do que com o
barulho da cidade.”
A APAN, Associação de
Produtores da Agricultura Natural, na década de 90, realizou trabalhos de
formação aos agricultores do Projeto de Assentamento Conquista em Tremembé.
Tais trabalhos tiveram como ícone o Sr. Fidélis. Produziam o extrato
pirolenhoso, utilizavam o fino do carvão e a calda “líquido-abençoado”, para
praticar a adubação líquida inoculadora de microrganismos originados de moitas
de bambu do próprio assentamento, e aprenderam com a comercialização direta ao
consumidor em feiras livres convencionais, onde a livre competição se dava pelo
ganhar a dona-de-casa pela confiança, apresentando um produto vistoso a ela.
Foram
depoimentos que se revelaram nesta roda de saberes. O fato é que o período da
comercialização direta exauriu-se. O governo popular proporcionou os contratos
com instituições públicas, fornecendo os alimentos comprados e produzidos pelos
agricultores às escolas e presídios, através do Programa de Aquisição a
Alimentos - PAA (Fig. 1), cujo compromisso com entidades filantrópicas e assistência
social à sociedade proporcionou uma renda mensal fixa, sem a necessidade
de comércio fora da porteira.
Paralelo
a este comércio institucional, a verdura agroecológica é mais bonita e vistosa
e atrai intermediários em busca de produtos que estas “moscas raras” fazem
florescer. Porém, o fornecimento à base de contratos exige padronização e
fornecimento contínuo dos produtos firmados em acordo de fornecimento, tanto as
instituições como os intermediários distribuidores de produtos originados do
labor familiar.
Algumas
adaptações foram necessárias no sistema produtivo agroecológico, estimulado pela
agricultura familiar e pela APAN, na década de 90.
No
convívio da propriedade da Toninha, a produção de mudas para baratear o custo
da produção e fornecer mudas de couve de qualidade foi fato fundamental para
sua adaptação no sistema produtivo. A utilização de fertilizantes químicos
restrita em épocas de amarelecimento das folhas, com a aplicação de
sulfato-de-amônio, tornou-se necessário. O uso pontual de defensivos químicos
para evitar que a doença da couve e pragas denegrisse seu produto também foi
necessário para não quebrar o contrato. Apropriou-se a respeito do
“período-de-carência” na aplicação dos defensivos agrícolas, cujos princípios
ativos são neonicotinoides e inseticidas biológicos a base de Bacillus thuringiensis.
O
uso de plantio em módulos de mudas homogêneas, em contraponto com a diversidade
sugerida no sistema agroflorestal, garante o raciocínio mental de saber que
aquela área produzirá quantidades de roças de couve que atenderão o compromisso
daquele sistema.
Apesar
de ser um lote que realizou a retrotransição à agricultura convencional, todas
as técnicas são consideradas como saber, trata-se do empoderamento do saber técnico
apropriado por parte desses sábios mestres do conhecimento em lidar com a terra
e com o mercado.
Já
no lote do Seu Antônio (Fig. 2), aquela pessoa simples, do falar baixinho, magrinho,
musculatura firme e fala mansa. Lembrou-me o fenótipo do meu pai. Em seu lote,
o que chama atenção é o “Plantio de gente”, cinco familiares residem ali,
filhos, filhas, genros, nora e agora os netos, dos quais desfrutam do território
reformado e que não tiram o sustento pela labuta na terra. Jovens que perderam
o gosto pela dureza do cabo da enxada, seguiram o caminho do estudo na cidade
para se formar em profissões menos desgastantes. Precisam estes perto do avô
para habitar na Reforma Agrária, que lhes dá moradia de graça, conta-de-luz
mais barata, a água, que vem do poço cacimba de graça, e ainda proporciona o
contato com a natureza, o acordar com o cocoricó das galinhas e o canto dos
galos as cinco da matina para trabalhar na cidade.
Há
de se aceitar que a proximidade do PA Conquista com a cidade de Tremembé proporciona
este objetivo prestado pela Reforma Agrária a alguns assentados naquele
território, simplesmente como um lugar para morar. O assentamento é uma
comunidade e, assim como toda comunidade, há pessoas com diferentes funções e
necessidades.
Figura 2. Seo Antônio cria muitos familiares na lavoura de mandioca e banana, em Tremembé - SP. |
No
lote da Janaina (Fig. 3), me prostei com aquela casa na árvore de bonecas (Fig. 4) e que o nome
de uma das suas filhas me fez recordar de tempos que outrora assistia o filme A
Pequena Sereia Ariel, pelo menos 400 vezes, junto com minhas filhas.
Uma mãe empreendedora, nascida em acampamento, perdeu sua mãe logo após nascer, no parto, talvez em função do desgaste que a luta pela terra trás as mulheres que lutam pelos seus sonhos, por si só a torna uma vencedora. Sobreviveu, cresceu e foi tentar a vida em outro estado. Encontrou seu companheiro e agora sonha o sonho que não conseguiu esquecer, a agrofloresta. Chora ao assistir os vídeos no YouTube daquele mestre suíço, pai da agrofloresta no Brasil.
Em seu pequeno território herdado pelo trabalho do pai viúvo, empreende aprendendo a fazer gostosuras. Especializou-se em geléias agroflorestais. A cada receita descoberta ou redescoberta sonha com a possibilidade de tacar-lhes o código de barras e ter o fruto de seu trabalho oferecido em um empório distribuidor. Produto artesanal e só pensa na alquimia dos sabores. No pequeno trecho que cuida e aplica tudo que aprendeu. Faz cobertura com capim roçado nos canteiros de sua horta. Fato inédito em todo assentamento que há monoculturas de alface. Sonha herdar em suas filhas a mesma paixão pela agricultura agroecológica.
Foram retratadas três realidades, três perspectivas e três possibilidades que o “guarda-chuva” da agroecologia proporcionou àquelas famílias.
Figura 3. Dona Janaína agricultora assentada da reforma agrária em Tremembé, entre Verônica (UNESP) e Magali (INCRA). |
Uma mãe empreendedora, nascida em acampamento, perdeu sua mãe logo após nascer, no parto, talvez em função do desgaste que a luta pela terra trás as mulheres que lutam pelos seus sonhos, por si só a torna uma vencedora. Sobreviveu, cresceu e foi tentar a vida em outro estado. Encontrou seu companheiro e agora sonha o sonho que não conseguiu esquecer, a agrofloresta. Chora ao assistir os vídeos no YouTube daquele mestre suíço, pai da agrofloresta no Brasil.
Em seu pequeno território herdado pelo trabalho do pai viúvo, empreende aprendendo a fazer gostosuras. Especializou-se em geléias agroflorestais. A cada receita descoberta ou redescoberta sonha com a possibilidade de tacar-lhes o código de barras e ter o fruto de seu trabalho oferecido em um empório distribuidor. Produto artesanal e só pensa na alquimia dos sabores. No pequeno trecho que cuida e aplica tudo que aprendeu. Faz cobertura com capim roçado nos canteiros de sua horta. Fato inédito em todo assentamento que há monoculturas de alface. Sonha herdar em suas filhas a mesma paixão pela agricultura agroecológica.
Figura 5. Cajá-manga (Spondias dulcis, família Anacardiacea), dá saborosa receita... geleias, doces, sucos e a fruta de comer ao pé da árvore. |
No
início da noite, nos reunimos no lote da Deise Alves. Lá, o cajá-manga (Fig. 5) e o araçá-boi (Fig. 6) já deram muita história prá contar nesse Curso de Longa Duração sobre Agroecologia. tem muita história prá contar. No conforto da
sala-cozinha, onde tudo gira em torno do alimento, ao redor daquela bancada de
tijolos e azulejos de piso que se transformaram na grande mesa do compartilhar
o saber, em poltronas “retrô”, trocamos idéias do que aprendi com aqueles
agricultores e pudemos discutir a elaboração de uma proposta caseira para
repelir as lagartas da couve da dona Toninha, a base de coentro, manjericão e
citronela, com punhado de folhas frescas, são deixadas marinar em água pura e
no outro dia pela manhã são batidos no liquidificador, coados e pulverizados
pela pulverização costal, sem diluição ou qualquer fervura. Acrescidos de 1,5
ml de própolis verde, promete fazer muito bem para saúde.
Aprendi
com Seu Antônio a plantar mudas de banana-chifrão, bem desenvolvidas, fendas no
chão, no berço que acumula água, formando uma bacia de acúmulo. Levo para casa
o maior cacho de banana que ganhei de brinde. Quase do tamanho do banco
traseiro do Gol.
E
na Janaína e a dona Toninha, incentivamos a necessidade daquele território
bioenergético que é o lote familiar, ter território demarcado para a mulher ser
feliz e mandar. Há o sistema agroflorestal com frutíferas diferenciadas como o
cambará cresceu pelas beiradas da produção do marido, fazendo o papel de
“zíperes” daquela unidade familiar (Fig. 7).
E
de lá sai os produtos das geléias que saboreei no café da tarde, regados por
chá de Moringa oleifera que aprendi
que tem como utilidade reduzir cólicas menstruais e dores nas articulações.
Ganhei um saquinho dessa planta da vida, para conviver com minha diabetes.
Figura 7. Desenho de módulo florestal a ser enriquecido em mutirão durante o Curso de Longa duração. |
Enfim,
podemos presenciar com estes agricultores familiares de Reforma Agrária como
“pinçam” conhecimentos agroecológicos e apropriando-se, empoderando-se e
tornando-os seus saberes.
Transcrição: Verônica Andressa de Castro – acadêmica
curso de Engenharia agronômica na Universidade Estadual Paulista (Botucatu)
Adaptação para o blog: Antonio Devide - APTA
Imagens: Anna Cláudia Leite, Verônica de Castro e participantes do Curso.
Adaptação para o blog: Antonio Devide - APTA
Imagens: Anna Cláudia Leite, Verônica de Castro e participantes do Curso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário