19 de mai. de 2022

Relato do 2º Encontro de Restauradores da Paisagem de Pindamonhangaba


Data: 30/04/2022

Local: Chacara Pedra do Cabloco e Sítio Arco Íris - Ribeirão Grande


Por 

Carolina Mendonça

Professora


O projeto “Sistemas Agroflorestais (SAF) com Frutas Nativas e Segurança Nutricional (SAN)”, executado pela APTA (Unidade Regional de Pesquisa e Desenvolvimento de Pindamonhangaba) e Corredor Ecológico do Vale do Paraíba, teve o seu segundo encontro em Pindamonhangaba com a seguinte programação:


  1. Caminhada Transversal com Estudo de Paisagem - Chácara Pedra do Caboclo (Marcelo Rebellato)

  2. Visita ao SAF do Sítio Arco Íris (Antonio Devide)

  3. Planejamento individual da propriedade com a equipe Técnica do Corredor Ecológico

  4. 2º Mutirão agroflorestal do projeto (Figura 1)

  5. Avaliação de demandas: organizar o calendário de mutirões e treinar os participantes para o uso do tratorito e outras ferramentas. 

Figura 1. Equipe do projeto que se reuniu para o 2º Encontro.


O objetivo do encontro foi aproximar os participantes do projeto, partindo da análise de duas realidades distintas de uma propriedade do Novo Rural com área de produção extensiva em transição inicial para agroecológica e a área vizinha que está há um ano e meio se dedicando aos SAF agroecológicos. 

O projeto visa promover a interação das pessoas no planejamento do uso do solo e atividades práticas de restauração de mata ciliar com semeadura direta, formação de cercas de divisas nos moldes de corredor ecológico com árvores e frutas nativas, implantação e manejo de SAF com baixo uso de insumos externos (Figura 1).


Caminhada transversal: estudando a paisage

Os participantes realizaram o estudo da paisagem na primeira propriedade que abriu o seu recanto para esta vivência coletiva. Com o apoio e análise do pesquisador Antonio Devide e da equipe técnica do Corredor Ecológico, foi feita a caracterização de um pomar (Figura 2), das margens do ribeirão que corta a propriedade e perímetros florestais, como uma amostra do trabalho que a equipe técnica do Corredor Ecológico está desenvolvendo em cada propriedade.

Figura 2. Área de pomar na imagem à direita.


No pomar, foi observada a necessidade de adubação das árvores, por meio da própria massa verde fornecida pelo manejo de conservação do terreno (roçada e podas). Também foi proposta a criação de um SAF ao longo da cerca lateral, onde há um corredor com plantio de algumas palmeiras juçara, árvores nativas que podem ser manejadas para adubação verde, como a gravitinga e o pau jacaré, além de plantas ornamentais para adubação verde e embelezamento do terreno.


Em direção a parte baixa do terreno, com olhar cuidadoso observa-se na beira do ribeirão algumas diferenças fundamentais entre as duas margens: uma com muitas plantas que realizam a contenção do solo e previnem a erosão natural das margens, uma vez que nas cheias do ribeirão a força das águas provoca forte erosão da camada superficial do solo (vídeo 1, Figura 3).

Vídeo 1. Vegetação ciliar exótica nas margens: capim napier (arbustivo) protege mais que a grama batatais (rasteira).


Figura 3. Área sem mata ciliar com forte remoção do solo pela força da água e margem oposta com capim napier alto conservando a integridade das margens.


As plantas de proteção ciliar foram identificadas como lírio do brejo e lágrima-de-nossa-senhora (Figura 4), muito comuns no Ribeirão Grande de Pindamonhangaba, porém, com origem longínqua: a África. Estas plantas, foram o único conforto dado aos negros escravizados em suas insólitas travessias marítimas até às Américas.


 

Figura 4. Lírio do brejo se regenerando da roçada no primeiro plano, lágrima-nossa-senhora no segundo plano e a floresta nativa ao fundo.


Na margem oposta do ribeirão, mais próxima à floresta e à montanha, em outra ocasião, foi avistado um grande felino conhecido como gato mourisco (Puma yagouaroundi) (Figura 5), que nos faz refletir sobre a importância das agroflorestas na manutenção de corredores ecológicos para a fauna que transita da Serra da Mantiqueira.







Figura 5. Gato mourisco. Fonte: https://portaldoscaesegatos.com.br/gatos-selvagens/jaguarundi/



Visita ao SAF do Sítio Arco Íris (área vizinha) - pesquisador Antonio Devide 

O grupo trocou conhecimentos e saberes sobre plantas estratégicas para os SAF, tais como leguminosas arbóreas para adubação verde (Sesbania virgata e Erythrina speciosa) (Figura 6). Este tipo de leguminosa arbórea pode fixar até 600 kg ao ano de Nitrogênio atmosférico em seus tecidos vegetais, ao estabelecer associação simbiótica com bactérias nativas (DÖBEREINER, 1984). 

 

Figura 6. Erythrina speciosa, uma leguminosa arbórea que serve de moirão vivo.


Sesbânia e eritrina são árvores tolerantes ao alagamento do solo e no caso da eritrina, também pode ser plantada por meio de estacas e ainda servir de moirão vivo na formação de cercas ecológicas, sendo uma alternativa promissora para reduzir os custos de formação e manutenção de cercas de divisas e sobre os efeitos de supressão da vegetação diante dos meios convencionais de construção e manutenção de cercas.

A ideia do projeto é conectar as duas propriedades vizinhas por meio de cercas ecológicas manejadas como SAF, tendo a eritrina a espécie para moirão vivo para receber a poda que fornecerá o adubo orgânico rico em nitrogênio para a palmeira juçara em associação constituindo uma importante estratégia na busca do desenvolvimento sustentável em propriedades rurais em transição agroecológica (Figura 7).

Figura 7. Sesbania virgata, uma leguminosa arbórea plantada pequenina (direita da estaca) em associação com palmeira juçara (base da estaca) que serve para adubação verde e ativação dos fungos micorrízicos do solo.


A Gliricidia sepium (gliricídia) é outra espécie arbórea leguminosa, porém, exótica, que vem sendo plantada para pesquisa comparativa com as arbóreas nativas, que visa determinar a sobrevivência, vigor no crescimento, tolerância a poda e aporte de resíduos orgânicos para adubação verde das culturas de interesse.

Esta e outras espécies de leguminosas arbóreas são capazes de fixar nitrogênio atmosférico por meio da associação simbiótica com bactérias e vêm sendo alvo da atenção de muitos centros de pesquisas tropicais, em função da multiplicidade de produtos e benefícios que oferecem com adaptabilidade a diferentes zonas ecológicas tropicais (NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES, 1980). 

A caminhada de observação da paisagem mudou um pouco quando o grupo chegou no SAF da área vizinha. O plantio e manejo agroflorestal seguem sendo feitos com ênfase na introdução de frutíferas nativas e espécies nativas da regeneração natural, com uma ano e meio de idade (Figura 8).

Figura 8. Mesmo com a chuva, a caminhada foi animada.


O início do plantio do SAF na beira da mata (fundo do terreno) após a roçada do lírio e capins com linhas de diversidade contendo espécies perenes (banana, frutas nativas, árvores para poda) e anuais aptas para terra seca (mandioca, batata-doce e abacaxi) e super úmida (açafrão, araruta, taioba e inhame) (Figura 9).

Figura 9. Característica do plantio inicial com roçada e plantio em área total.


O ataque de javali fez o pesquisador modificar a estratégia de implantação do SAF. Atualmente, apenas o açafrão é mantido no sistema como componente anual e a vegetação arbustiva é mantida alta em todo terreno, sem ser roçada. Assim, os capins, o lírio e uma diversidade de espécies floríferas nativas abrigam uma diversidade de organismos vivos, como abelhas, aves, répteis e mamíferos que circulam no local.

A regeneração de árvores, como a embaúba (Cecropia sp.), é dirigida pelo manejo de poda alta (1,30m) para permitir a rebrota (Figura 10 e 11). Os resíduos das árvores são colocados entorno das frutas nativas e bananeiras. A meta é estabelecer um sistema autosuficiente em nutrientes.
 
Figura 10 e 11. Linhas de diversidade contendo guandu e mamona para produção de sementes e poda, gliricídia e sesbânia para poda, a bananeira que cria abaixo dela a palmeira juçara e entre as bananeiras as frutíferas nativas, além da embaúba para poda no estrato emergente, que serve para proteção da bananeira dos fortes ventos e geada.

Além da embaúba, também tem a gravitinga (Solanun sp.) que se destaca como arbórea para adubação verde e moirão vivo. As folhas de gravitinga também podem ser empregadas no processo de maturação de frutos de banana.

Sob o ponto de vista ecológico, essas árvores servem de alimento para uma gama de organismos vivos, tais como aves e morcegos, razão pela qual estão presentes em grande quantidade no SAF, por serem dispersas por esses organismos.

Um dos objetivos do projeto é viabilizar a adequação legal dos procedimentos de manejo dessas árvores nos SAF que deve compor uma cartilha de orientação aos proprietários rurais. Apesar de não ideal, a poda alta visa deixar a base do tronco das árvores intacto, para permitir a rebrota e servir de tutor para plantas trepadeiras, tais como pitaia, cará, chuchu, amendoim da amazônia (sacha inchi), maracujá, esponja e outras espécies.

Outra planta especial presente nesta propriedade foi uma pequena árvore de araçá amarelo, frutífera nativa da Mata Atlântica que entrou em produção dois anos após o plantio (Figura 12). 


 

Figura 12. Frutos de araçá amarelo, árvore frutífera nativa da Mata Atlântica.


Planejamento individual da propriedade com a equipe do Corredor Ecológico

Foi feita uma vivência prática de como serão as análises das propriedades participantes do projeto 'Sistemas Agroflorestais (SAF) com Frutas Nativas e Segurança Nutricional (SAN)', em Pindamonhangaba, com o apoio da equipe técnica do Corredor Ecológico.

Após a caminhada transversal de análise dos diferentes setores da propriedade (pomar, beira do rio e perímetros florestais), foi feita uma planta baixa da propriedade contendo os diferentes tipos de plantio para cada setor da propriedade (Figura 12).


Figura 12. Planejando as áreas de plantio, com a equipe técnica, após observação coletiva.


2º Mutirão agroflorestal do projeto

O mutirão na Chácara Pedra do Caboclo foi puxado pelo proprietário Marcelo Rebellato de forma espontânea, demonstrando o espírito de fraternidade já presente entre os participantes. O grupo se animou, após conhecer uma ferramenta artesanal desenvolvida por um dos integrantes do Corredor Ecológico (Carlos Silvestre): a vanga bate-estaca (vídeo 2). Elaborada para facilitar a retirada de mudas das bananeiras, todos puderam testá-la.

Vídeo 2. Demonstração da cavadeira trazida por Carlos Silvestre (Corredor Ecológico).


Após a retirada de mudas de banana nanica e maçã, as mesmas foram plantadas diretamente sobre a grama batatais, que também fixa nitrogênio, juntamente com mudas de frutíferas (citrus, pitanga, cambuci, condessa) fornecidas pelo projeto. Para adubação verde foram semeados feijão-de-porco e mamona, plantadas estacas de margaridão e mudas de eritrina e embaúba.

Em pouco tempo de trabalho, mas com a ajuda fundamental de todos, um pequeno SAF foi implementado (Figuras 13 e 14). Capim napier do entorno foi roçado e depositado nas linhas de plantio para cobertura do solo.

 

Figura 13 e 14. Croqui do SAF e vista da área implantada em mutirão.


Novo mutirão deve reunir o grupo para o plantio das matas ciliares com semeadura direta (muvuca) de sementes florestais e frutas nativas e enriquecimento da área implantada com palmeira juçara e outros componentes.


Avaliação de demandas necessárias, ao fim do encontro:

  • Organização do calendário de mutirões: para que o proprietários rurais possam se organizar para participar e possibilitar caronas solidárias para implantação e manejo dos SAF ao longo do ano de 2022, em Pindamonhangaba.

  • Treinamento para uso do tratorito e outras ferramentas: como muitas pessoas não sabem manusear alguns equipamentos que serão utilizados ao longo dos mutirões (tratorito, motocoveador p.ex.), foi definido que haverá um treinamento prévio. Estes equipamentos serão emprestados e os beneficiados deverão assinar um termo de responsabilidade. 

Figura 14. Tratorito adquirido pelo projeto.


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Imagem com Produtos locais do lanche compartilhado pelos participantes:

Participantes: 

  • Proprietários Rurais 

  • APTA - Unidade Regional de Pesquisa e Desenvolvimento, Pindamonhangaba (ex.Polo Regional)

  • Corredor Ecológico do Vale do Paraíba


Financiamento: empresa Dupon, filial Pindamonhangaba 


Imagens:  Carolina Medeiros e Antonio Devide

 

Referências bibliográficas:

Fonte EMBRAPA: https://www.spo.cnptia.embrapa.br/conteudo?p_p_id=conteudoportlet_WAR_sistemasdeproducaolf6_1ga1ceportlet&p_p_lifecycle=0&p_p_state=normal&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-3&p_p_col_count=1&p_r_p_-76293187_sistemaProducaoId=4308&p_r_p_-996514994_topicoId=4570

 

 

Edição para o blog: Antonio Devide - pesquisador da APTA


11 de mai. de 2022

III Vivência Agroecológica Sem Terra - Lagoinha/SP

Datas: 28 e 29 de Maio de 2022

O Coletivo Agroecologia convida a todes a participar da 3º Edição do projeto de Vivências Agroecológicas Sem Terra, que acontecerá nos dias 28 e 29 de Maio, no Centro de Pesquisas Agroecológicas La Cuna - Lote 19. 


Biografia dos instrutores
Ariel e Ana, de Lagoinha são Guardiões do berço do amanhã

Ariel e Ana são agricultores do Assentamento Egídio Brunetto de Lagoinha/SP. Ana é originária de São Jose dos Campos, e Ariel, da Argentina. Álvaro, filho do casal, tem 4 anos, e nasceu em Lagoinha. Conheceram a Agroecologia em 2015 em viagem por Goiás e Tocantins. Vieram para o acampamento Egídio Brunetto em 2017 e tiveram o primeiro contato com agricultura biodinâmica na biblioteca 'Ana Primavesi' do assentamento.  
A área em que vivem era cultivada com milho para o gado e nestes 5 anos o principal trabalho tem sido a proteção e regeneração do solo. LaCuna (O Berço em quíchua) é o nome da unidade de produção, que tem origem das Cartas do Caminho Sagrado, que falam sobre o que sentimos ser nossa missão.

Para se inscrever basta acessar o link e preencher o formulário:

https://docs.google.com/forms/d/126B6idv1kOHHHojOJYHkRjuwQokeL976VKWQZX1OltM/prefill

Adaptação para o blog: Antonio Devide - pesquisador da APTA

7 de mai. de 2022

Namastê: Um espalhador de boas ideias.

Relato da atividade: 
Planejamento Participativo de Sistemas Agroflorestais Agroecológicos 
Instrutor Namastê Messerschmidt 
28/04-01/05 no Assentamento Egídio Brunetto em Lagoinha-SP

Por: José Miguel Garrido Quevedo e Leandro Braz Camillo

Foi uma grata surpresa, chegar na sexta feira bem a noite na Escola Popular de Agroecologia  Ana Primavesi no Assentamento Egídio Brunetto em Lagoinha e ver a sede iluminada. Ser recebido pela Evelin com uma sopa, feita pela Xuxu, recarregou as forças da viagem cansativa. Ver os quartinhos
ocupados com barracas protegidos da chuva e vento frio foi acolhedor.

Pela manhã, acordamos com o cheiro do café feito no forno a lenha pelo companheiro Dimes. Logo
mais, chegou os pães integrais que nos sustentariam o dia feitos com carinho pela Dani.

E como começou a chegar gente, fomos cerca de 70 participantes. Acomodados nos bancos feitos com capricho pelos companheiros Silvério e Amaro. Encontros e reencontros de uma gente que veio vivenciar momentos de troca de conhecimento e sentimento agroecológico em Sistemas Agroflorestais com o querido instrutor Namastê.


Namastê é discípulo de Ernst Gotsch, iniciou seu caminhar aos 12 anos no Instituto Oca em Goiás.
Auxiliou na formação da Cooperafloresta em Barra do Turvo e nos SAFs no MST no  Assentamento Mário Lago em Ribeirão Preto e o Assentamento Contestado no Paraná.

Muito interessante a dinâmica da apresentação dos participantes. Cada um apresentou seu  colega sentado ao lado como se fosse nós mesmos, a apresentação em poucas palavras do que apreendeu da conversa inicial com o companheiro, proporcionando integração inicial ao grupo.


E iniciamos nossa jornada…. compreender os princípios dos Sistemas Agroflorestais.

Iniciou-se o aprendizado que seria conduzido de uma maneira simples e muito fácil de entender.

Num solo exposto sem vegetação, inicialmente nascem as espécies colonizadoras, tratadas no  curso como plantas de retomada. As colonizadoras têm vida muito curta e têm a função de servir como uma espécie de placenta protetora, as árvores ainda são frágeis como os bebês, necessitando destas plantas criadoras. Sob sua proteção, as pioneiras crescem mais depressa que as secundárias e estas que as climácicas. por isto fazem parte de um mesmo “Sistema Ecológico”. A placenta vai criando
as condições que as pioneiras precisam, as pioneiras para as secundárias e estas para as climácicas, que são as que crescem mais lentamente e tem vida mais longa. Em cada degrau do caminho da sucessão natural, a floresta como um todo também cresce passando do estágio inicial para os estágios médios e depois para o estágio mais avançado, chamado de clímax.

Ocorre, porém, que acoplado a este processo um outro caminha. Trata-se da Sucessão dos Sistemas
Ecológicos. Ao final de cada ciclo, toda a vegetação é sucedida por outra, mais especializada em atuar no degrau mais alto de fertilidade gerado pela vegetação do degrau anterior. Em cada novo degrau de fertilidade, ocorre novamente a sucessão da placenta colonizadora pelas árvores pioneiras, destas pelas secundárias e destas pelas climácicas, da maneira como foi descrito no parágrafo anterior. Por isto, podemos descrever a sucessão como um caminho em espiral que passa várias vezes pelos mesmos lugares, porém em diferentes níveis de fertilidade.

Os organismos florestais, desde a placenta colonizadora, até as pioneiras, secundárias e  climácicas, passam a produzir, nos Sistemas Ecológicos que se seguem a cada renovação, acúmulo de matéria orgânica. Ernst deu o nome de sistemas de lignina aos sistemas compostos por colonizadoras,
pioneiras, secundárias e climácicas que ocorrem quando as condições ainda estão muito degradadas ou a escalada em espiral da sucessão vegetal em direção a fartura e a biodiversidade está muito em seu início. Nestes sistemas, os teores de nitrogênio são mínimos e os de substâncias de  difícil decomposição como as ligninas são máximos.

Nos sistemas, que se seguem aos de lignina, os teores de nitrogênio e de lignina na vegetação são
intermediários, porque já a vida já se estruturou, levando ao máximo o acúmulo de matéria orgânica. Ernst deu a estes sistemas intermediários o nome de sistemas de acumulação, porque eles são  especializados em acumular matéria orgânica e é neles que a matéria orgânica se acumula com maior velocidade.

Os sistemas de abundância se sucedem aos de acumulação. Os teores de nitrogênio na vegetação e
também a velocidade da fotossíntese se aproximam do máximo possível. Os lugares nos quais predominam os sistemas de abundância, chegaram a esta condição, em grande parte, porque passaram por muitos processos de renovação.

O maior nível de fertilidade possibilita a vida de espécies mais exigentes, porém mais eficientes na
produção de matéria orgânica, em todas as fases do processo de sucessão, desde a placenta até as
árvores climácicas. Portanto, o degrau da sucessão que acontecerá na nova clareira acumulará mais
matéria orgânica que o anterior. Além disto, soma-se a herança da matéria orgânica acumulada e
não gasta no degrau anterior.

A estratificação é um processo que ocorre ao mesmo tempo que a sucessão, no qual os organismos
florestais se estruturam em andares, em cada fase e em cada degrau da sucessão natural, para em conjunto captar a energia do sol com maior perfeição.

O estrato de uma planta é o andar que sua copa ocupa no organismo florestal no qual se origina,
quando o organismo florestal atinge a fase da sucessão vegetal a que ela pertence. Por exemplo, se
uma árvore é do estrato alto e do estágio clímax, ela ocupará, no organismo florestal da qual se
origina, o andar alto, quando a sucessão da floresta atingir o estágio clímax. Se a árvore for uma
secundária do estrato médio, ela ocupará o andar médio, quando o organismo florestal atingir o
estágio secundário da sucessão natural.

Podemos observar que, nos organismos florestais, as árvores dos estratos mais altos têm suas copas
muito mais afastadas do que as dos estratos abaixo delas. Desta maneira, quanto mais alto é o estrato, mais ele permite a passagem da luz para os estratos abaixo dele. Ernst Götsch, procurando nos dar uma ideia quantitativa visando a aplicação no manejo dos SAFs Agroecológicos, chegou a fazer estimativas. O estrato emergente permite a passagem de aproximadamente 80% da luz que recebe, o estrato alto 60%, o médio 40% e o baixo 20%.

Namastê nos apresentou o conceito que as porcentagens pode ser entendido como a porcentagem de
ocupação de cada andar, assim as plantas emergentes ocupam 20% do estrato, as de estrato alto ocupam 40% deste andar, as de estrato médio ocupam 60% deste estrato e finalmente as de estrato baixo ocupam 80% deste estrato.

Também é importante considerar que existem ecossistemas mais altos e mais baixos. Isto acontece
devido às diferentes restrições ao crescimento das árvores, principalmente por causa do clima e/ou
do solo de onde se originam. É natural que árvores do estrato alto de florestas baixas sejam mais
baixas do que árvores de estratos inferiores, de florestas muito altas. Para dar um exemplo envolvendo espécies mais conhecidas, citou-se o caso da acerola e do abacateiro. A acerola é uma árvore do estrato alto, porque ocupa o estrato alto em seu ecossistema de origem. Já o abacateiro é do estrato médio, porque ocupa o estrato médio em seu ecossistema de origem. Porém, geralmente o pé de acerola cresce menos do que o abacateiro. Isto porque toda a floresta na qual se originou a acerola cresce menos do que toda a floresta na qual se originou o abacateiro. No entanto, uma acerola nunca será produtiva se estiver debaixo de árvores de estratos mais baixos que o dela, como no caso do abacateiro.

Namastê orientou que a poda deve ser na altura pensando em manter o estrato original da planta.

Os processos de renovação que levam à formação dos sistemas de abundância podem ser muito
intensificados através de podas, sejam podas parciais e realizadas várias vezes por ano, como em
SAFs intensamente manejados, sejam podas totais e realizadas em ciclos como 5, 10, 20, 50 ou 100
anos. Este princípio, de fundamental importância para a prática dos SAFs agroecológicos, foi historicamente utilizado na agricultura tradicional de base agroflorestal praticada por quilombolas e
outras populações tradicionais, que se fundamenta no descanso da terra para a recomposição da
fertilidade, a chamada agricultura de coivara. Esta também foi uma das técnicas que os povos indígenas usaram na geração da chamada “Terra Preta de Índio”. Estes solos, nos quais a matéria orgânica predomina, em camadas que chegam a atingir profundidade superior a dois metros, ainda existem por toda a Amazônia. Estudos arqueológicos e de paleobotânica comprovam que estes solos se originaram devido à ação dos povos indígenas. Quando acontece a derrubada de toda a vegetação de uma clareira, uma parte considerável da matéria orgânica é consumida na respiração dos seres vivos. Porém, geralmente a maior parte acaba sendo armazenada tanto no solo como na madeira morta, que fica sobre a terra e é digerida muito lentamente. Além disso, na clareira, o processo de sucessão, se não for impedido, recomeçará num nível de fertilidade muito superior ao anterior.


As sugestões de consórcios apresentadas têm base em experiências concretas e também na vivência
com a aplicação dos conceitos de sucessão e estratificação para a elaboração de consórcios, em um
mesmo canteiro Consórcios baseados na estratificação e sucessão natural otimizam a ocupação dos
nichos ecológicos, produzindo alimentos diversificados para a vida dos solos.


Um exemplo, neste consórcio a percentagem de plantio Emergente foi de 20% com a Crotalária
juncea num espaçamento 20 cm x 1m, levando 45 dias para colher. Estrato Médio ocupado com
Alface crespa ou alface roxa com 60 % de ocupação do terreno, num espaçamento de 20 a 35 cm x
25 a 35 cm igual à monocultura, levando 45 dias para colher. Entre as linhas de alface é plantado o
rabanete ou rúcula (por mudas) ou coentro (por mudas) ocupando 60% do terreno, ocupando o estrato médio, num espaçamento de 25 a 30 cm x 5 a 15 cm igual à monocultura, levando 25 a 30 dias para colher, cultivados ao mesmo tempo em um único canteiro. Esta proposta está otimizada para o alface. A crotalária para adubação verde, colhida com 45 dias, como é emergente, ocupando apenas 20% do seu estrato é benéfica aos estratos inferiores. A base conceitual para sua inclusão foi a estratificação. A inclusão do rabanete ou da rúcula ou do coentro ou de linhas alternadas, uma com cada um deles, foi baseada na sucessão, porque aos 30 dias quando os rabanetes são colhidos, o alface ainda está longe de ter se desenvolvido plenamente. Porém eles precisam ser colhidos aos 30 dias, com raiz e tudo, logo que estejam no ponto, se não passam a atrapalhar o alface, por causa da sombra e da informação de envelhecimento que passam a transmitir.

Um exemplo mostrado por Namastê é o conceito de plantas criadoras, assim como mostra o desenho acima. Uma planta vai sendo criada por outra, não atrapalhando seu desenvolvimento, por ocuparem estratos diferentes.

É possível focar os SAFs na produção de frutas, mas trazendo junto as lavouras anuais e hortaliças também. De forma geral, podemos planejar um SAF deste tipo da seguinte maneira: plantamos as árvores frutíferas no centro de canteiros ou faixas de cerca de um metro de largura, junto com lavouras anuais e árvores para produção de matéria orgânica. Entre os canteiros ou faixas com árvores e lavouras é importante projetar faixas com a largura suficiente para a produção de capins e outros adubos verdes em quantidade suficiente para que os canteiros estejam cobertos o tempo todo. Plantar uma linha de árvores adubadeiras e bananeiras, entre uma linha de árvores frutíferas e outra, facilita o manejo e a produção de matéria orgânica. Árvores e bananas para a produção de matéria orgânica, associa-se plantar árvores com rapidíssimo crescimento e excelente rebrota, além de bananas, para ajudarem a criar as frutíferas Esta linha intermediária, por ser intensamente podada, não atrapalha o  desenvolvimento dos capins das faixas entre as linhas de árvores, possibilitando sua permanência por longo tempo no SAF.

Namastê ainda nos apresentou que costuma-se plantar as frutíferas respeitando-se espécies do estrato emergente com espécies do estrato alto e espécies do estrado médio com o estrato baixo, a fim do sistema agroflorestal não ficar muito alto.

 

A atividade de sala de aula foi alternada com uma aula em campo “A conversa ao pé da planta”


Nela podemos observar aspectos do estágio atual do SAF Comunitário do Assentamento Egídio
Brunetto.

Foi descrito a forma de crescimento da planta da bananeira, que a família apresenta plantas avós,
filhas e netas, originadas do rizoma e o manejo da família de bananeiras, Namastê prefere deixar
duas ou três plantas filhas que originarão os cachos de banana assim que planta avó tenha o cacho
de bananas colhida. E sobre como deve ser o corte do pseudocaule rente ao solo quando a bananeira
tem seu cacho colhido, que deve ser feito o corte côncavo na base do pseudocaule para impedir a
entrada da broca que acumula seiva e que os pseudocaules devem ser cortados em toletes tipo telha
a fim de permitir a fertirrigação das mudas de nativas ou frutíferas do SAF que se quer alimentar e
que este procedimento impede que a broca siga seu ciclo já que os adultos ovopositam seus ovos na
superfície lateral do pseudocaule e as larvas perfuram galerias e atinge o rizoma da planta.



E para completar a experiência, o companheiro Karijó veio puxando a mística com seu tambor,
acompanhado das crianças que seguravam a bandeira do MST, enquanto entoava uma canção que
nos fazia lembrar dos que já não estão mais entre nós e que se tornaram nossos aliados no plano
espiritual.


“- Ê vida vã... ê vida, ê vida vã - ã... O jornal de hoje, é o papel de embrulho de amanhã... Ê vida
vã...”

Finalmente resta agradecer a acolhida dos companheiros do Egídio Brunetto, pela equipe de dona
Celia: Alemão, Banana, Marcela e Andreza pela refeição no primeiro dia e pela equipe da Marcela:
Thaiza, Banana, Karen, Izaq, Dimes e Daniel pela refeição do segundo dia e ao IPESA – Instituto
de Projetos e Pesquisas Socioambientais que nos proporcionaram a maravilhosa vivência.

Observação: O Referencial Técnico deste relato foi compilado do livro Agroflorestando o mundo
do facão a trator, disponível em:
https://www.cooperafloresta.com/_files/ugd/e4b2ec_6f67a1a70da04f54b839e2224c3af5ba.pdf

Imagens: autorizadas pela organização do evento, Leandro Braz Camillo.
edição apra o blog: Antonio Devide