7 de mai. de 2022

Namastê: Um espalhador de boas ideias.

Relato da atividade: 
Planejamento Participativo de Sistemas Agroflorestais Agroecológicos 
Instrutor Namastê Messerschmidt 
28/04-01/05 no Assentamento Egídio Brunetto em Lagoinha-SP

Por: José Miguel Garrido Quevedo e Leandro Braz Camillo

Foi uma grata surpresa, chegar na sexta feira bem a noite na Escola Popular de Agroecologia  Ana Primavesi no Assentamento Egídio Brunetto em Lagoinha e ver a sede iluminada. Ser recebido pela Evelin com uma sopa, feita pela Xuxu, recarregou as forças da viagem cansativa. Ver os quartinhos
ocupados com barracas protegidos da chuva e vento frio foi acolhedor.

Pela manhã, acordamos com o cheiro do café feito no forno a lenha pelo companheiro Dimes. Logo
mais, chegou os pães integrais que nos sustentariam o dia feitos com carinho pela Dani.

E como começou a chegar gente, fomos cerca de 70 participantes. Acomodados nos bancos feitos com capricho pelos companheiros Silvério e Amaro. Encontros e reencontros de uma gente que veio vivenciar momentos de troca de conhecimento e sentimento agroecológico em Sistemas Agroflorestais com o querido instrutor Namastê.


Namastê é discípulo de Ernst Gotsch, iniciou seu caminhar aos 12 anos no Instituto Oca em Goiás.
Auxiliou na formação da Cooperafloresta em Barra do Turvo e nos SAFs no MST no  Assentamento Mário Lago em Ribeirão Preto e o Assentamento Contestado no Paraná.

Muito interessante a dinâmica da apresentação dos participantes. Cada um apresentou seu  colega sentado ao lado como se fosse nós mesmos, a apresentação em poucas palavras do que apreendeu da conversa inicial com o companheiro, proporcionando integração inicial ao grupo.


E iniciamos nossa jornada…. compreender os princípios dos Sistemas Agroflorestais.

Iniciou-se o aprendizado que seria conduzido de uma maneira simples e muito fácil de entender.

Num solo exposto sem vegetação, inicialmente nascem as espécies colonizadoras, tratadas no  curso como plantas de retomada. As colonizadoras têm vida muito curta e têm a função de servir como uma espécie de placenta protetora, as árvores ainda são frágeis como os bebês, necessitando destas plantas criadoras. Sob sua proteção, as pioneiras crescem mais depressa que as secundárias e estas que as climácicas. por isto fazem parte de um mesmo “Sistema Ecológico”. A placenta vai criando
as condições que as pioneiras precisam, as pioneiras para as secundárias e estas para as climácicas, que são as que crescem mais lentamente e tem vida mais longa. Em cada degrau do caminho da sucessão natural, a floresta como um todo também cresce passando do estágio inicial para os estágios médios e depois para o estágio mais avançado, chamado de clímax.

Ocorre, porém, que acoplado a este processo um outro caminha. Trata-se da Sucessão dos Sistemas
Ecológicos. Ao final de cada ciclo, toda a vegetação é sucedida por outra, mais especializada em atuar no degrau mais alto de fertilidade gerado pela vegetação do degrau anterior. Em cada novo degrau de fertilidade, ocorre novamente a sucessão da placenta colonizadora pelas árvores pioneiras, destas pelas secundárias e destas pelas climácicas, da maneira como foi descrito no parágrafo anterior. Por isto, podemos descrever a sucessão como um caminho em espiral que passa várias vezes pelos mesmos lugares, porém em diferentes níveis de fertilidade.

Os organismos florestais, desde a placenta colonizadora, até as pioneiras, secundárias e  climácicas, passam a produzir, nos Sistemas Ecológicos que se seguem a cada renovação, acúmulo de matéria orgânica. Ernst deu o nome de sistemas de lignina aos sistemas compostos por colonizadoras,
pioneiras, secundárias e climácicas que ocorrem quando as condições ainda estão muito degradadas ou a escalada em espiral da sucessão vegetal em direção a fartura e a biodiversidade está muito em seu início. Nestes sistemas, os teores de nitrogênio são mínimos e os de substâncias de  difícil decomposição como as ligninas são máximos.

Nos sistemas, que se seguem aos de lignina, os teores de nitrogênio e de lignina na vegetação são
intermediários, porque já a vida já se estruturou, levando ao máximo o acúmulo de matéria orgânica. Ernst deu a estes sistemas intermediários o nome de sistemas de acumulação, porque eles são  especializados em acumular matéria orgânica e é neles que a matéria orgânica se acumula com maior velocidade.

Os sistemas de abundância se sucedem aos de acumulação. Os teores de nitrogênio na vegetação e
também a velocidade da fotossíntese se aproximam do máximo possível. Os lugares nos quais predominam os sistemas de abundância, chegaram a esta condição, em grande parte, porque passaram por muitos processos de renovação.

O maior nível de fertilidade possibilita a vida de espécies mais exigentes, porém mais eficientes na
produção de matéria orgânica, em todas as fases do processo de sucessão, desde a placenta até as
árvores climácicas. Portanto, o degrau da sucessão que acontecerá na nova clareira acumulará mais
matéria orgânica que o anterior. Além disto, soma-se a herança da matéria orgânica acumulada e
não gasta no degrau anterior.

A estratificação é um processo que ocorre ao mesmo tempo que a sucessão, no qual os organismos
florestais se estruturam em andares, em cada fase e em cada degrau da sucessão natural, para em conjunto captar a energia do sol com maior perfeição.

O estrato de uma planta é o andar que sua copa ocupa no organismo florestal no qual se origina,
quando o organismo florestal atinge a fase da sucessão vegetal a que ela pertence. Por exemplo, se
uma árvore é do estrato alto e do estágio clímax, ela ocupará, no organismo florestal da qual se
origina, o andar alto, quando a sucessão da floresta atingir o estágio clímax. Se a árvore for uma
secundária do estrato médio, ela ocupará o andar médio, quando o organismo florestal atingir o
estágio secundário da sucessão natural.

Podemos observar que, nos organismos florestais, as árvores dos estratos mais altos têm suas copas
muito mais afastadas do que as dos estratos abaixo delas. Desta maneira, quanto mais alto é o estrato, mais ele permite a passagem da luz para os estratos abaixo dele. Ernst Götsch, procurando nos dar uma ideia quantitativa visando a aplicação no manejo dos SAFs Agroecológicos, chegou a fazer estimativas. O estrato emergente permite a passagem de aproximadamente 80% da luz que recebe, o estrato alto 60%, o médio 40% e o baixo 20%.

Namastê nos apresentou o conceito que as porcentagens pode ser entendido como a porcentagem de
ocupação de cada andar, assim as plantas emergentes ocupam 20% do estrato, as de estrato alto ocupam 40% deste andar, as de estrato médio ocupam 60% deste estrato e finalmente as de estrato baixo ocupam 80% deste estrato.

Também é importante considerar que existem ecossistemas mais altos e mais baixos. Isto acontece
devido às diferentes restrições ao crescimento das árvores, principalmente por causa do clima e/ou
do solo de onde se originam. É natural que árvores do estrato alto de florestas baixas sejam mais
baixas do que árvores de estratos inferiores, de florestas muito altas. Para dar um exemplo envolvendo espécies mais conhecidas, citou-se o caso da acerola e do abacateiro. A acerola é uma árvore do estrato alto, porque ocupa o estrato alto em seu ecossistema de origem. Já o abacateiro é do estrato médio, porque ocupa o estrato médio em seu ecossistema de origem. Porém, geralmente o pé de acerola cresce menos do que o abacateiro. Isto porque toda a floresta na qual se originou a acerola cresce menos do que toda a floresta na qual se originou o abacateiro. No entanto, uma acerola nunca será produtiva se estiver debaixo de árvores de estratos mais baixos que o dela, como no caso do abacateiro.

Namastê orientou que a poda deve ser na altura pensando em manter o estrato original da planta.

Os processos de renovação que levam à formação dos sistemas de abundância podem ser muito
intensificados através de podas, sejam podas parciais e realizadas várias vezes por ano, como em
SAFs intensamente manejados, sejam podas totais e realizadas em ciclos como 5, 10, 20, 50 ou 100
anos. Este princípio, de fundamental importância para a prática dos SAFs agroecológicos, foi historicamente utilizado na agricultura tradicional de base agroflorestal praticada por quilombolas e
outras populações tradicionais, que se fundamenta no descanso da terra para a recomposição da
fertilidade, a chamada agricultura de coivara. Esta também foi uma das técnicas que os povos indígenas usaram na geração da chamada “Terra Preta de Índio”. Estes solos, nos quais a matéria orgânica predomina, em camadas que chegam a atingir profundidade superior a dois metros, ainda existem por toda a Amazônia. Estudos arqueológicos e de paleobotânica comprovam que estes solos se originaram devido à ação dos povos indígenas. Quando acontece a derrubada de toda a vegetação de uma clareira, uma parte considerável da matéria orgânica é consumida na respiração dos seres vivos. Porém, geralmente a maior parte acaba sendo armazenada tanto no solo como na madeira morta, que fica sobre a terra e é digerida muito lentamente. Além disso, na clareira, o processo de sucessão, se não for impedido, recomeçará num nível de fertilidade muito superior ao anterior.


As sugestões de consórcios apresentadas têm base em experiências concretas e também na vivência
com a aplicação dos conceitos de sucessão e estratificação para a elaboração de consórcios, em um
mesmo canteiro Consórcios baseados na estratificação e sucessão natural otimizam a ocupação dos
nichos ecológicos, produzindo alimentos diversificados para a vida dos solos.


Um exemplo, neste consórcio a percentagem de plantio Emergente foi de 20% com a Crotalária
juncea num espaçamento 20 cm x 1m, levando 45 dias para colher. Estrato Médio ocupado com
Alface crespa ou alface roxa com 60 % de ocupação do terreno, num espaçamento de 20 a 35 cm x
25 a 35 cm igual à monocultura, levando 45 dias para colher. Entre as linhas de alface é plantado o
rabanete ou rúcula (por mudas) ou coentro (por mudas) ocupando 60% do terreno, ocupando o estrato médio, num espaçamento de 25 a 30 cm x 5 a 15 cm igual à monocultura, levando 25 a 30 dias para colher, cultivados ao mesmo tempo em um único canteiro. Esta proposta está otimizada para o alface. A crotalária para adubação verde, colhida com 45 dias, como é emergente, ocupando apenas 20% do seu estrato é benéfica aos estratos inferiores. A base conceitual para sua inclusão foi a estratificação. A inclusão do rabanete ou da rúcula ou do coentro ou de linhas alternadas, uma com cada um deles, foi baseada na sucessão, porque aos 30 dias quando os rabanetes são colhidos, o alface ainda está longe de ter se desenvolvido plenamente. Porém eles precisam ser colhidos aos 30 dias, com raiz e tudo, logo que estejam no ponto, se não passam a atrapalhar o alface, por causa da sombra e da informação de envelhecimento que passam a transmitir.

Um exemplo mostrado por Namastê é o conceito de plantas criadoras, assim como mostra o desenho acima. Uma planta vai sendo criada por outra, não atrapalhando seu desenvolvimento, por ocuparem estratos diferentes.

É possível focar os SAFs na produção de frutas, mas trazendo junto as lavouras anuais e hortaliças também. De forma geral, podemos planejar um SAF deste tipo da seguinte maneira: plantamos as árvores frutíferas no centro de canteiros ou faixas de cerca de um metro de largura, junto com lavouras anuais e árvores para produção de matéria orgânica. Entre os canteiros ou faixas com árvores e lavouras é importante projetar faixas com a largura suficiente para a produção de capins e outros adubos verdes em quantidade suficiente para que os canteiros estejam cobertos o tempo todo. Plantar uma linha de árvores adubadeiras e bananeiras, entre uma linha de árvores frutíferas e outra, facilita o manejo e a produção de matéria orgânica. Árvores e bananas para a produção de matéria orgânica, associa-se plantar árvores com rapidíssimo crescimento e excelente rebrota, além de bananas, para ajudarem a criar as frutíferas Esta linha intermediária, por ser intensamente podada, não atrapalha o  desenvolvimento dos capins das faixas entre as linhas de árvores, possibilitando sua permanência por longo tempo no SAF.

Namastê ainda nos apresentou que costuma-se plantar as frutíferas respeitando-se espécies do estrato emergente com espécies do estrato alto e espécies do estrado médio com o estrato baixo, a fim do sistema agroflorestal não ficar muito alto.

 

A atividade de sala de aula foi alternada com uma aula em campo “A conversa ao pé da planta”


Nela podemos observar aspectos do estágio atual do SAF Comunitário do Assentamento Egídio
Brunetto.

Foi descrito a forma de crescimento da planta da bananeira, que a família apresenta plantas avós,
filhas e netas, originadas do rizoma e o manejo da família de bananeiras, Namastê prefere deixar
duas ou três plantas filhas que originarão os cachos de banana assim que planta avó tenha o cacho
de bananas colhida. E sobre como deve ser o corte do pseudocaule rente ao solo quando a bananeira
tem seu cacho colhido, que deve ser feito o corte côncavo na base do pseudocaule para impedir a
entrada da broca que acumula seiva e que os pseudocaules devem ser cortados em toletes tipo telha
a fim de permitir a fertirrigação das mudas de nativas ou frutíferas do SAF que se quer alimentar e
que este procedimento impede que a broca siga seu ciclo já que os adultos ovopositam seus ovos na
superfície lateral do pseudocaule e as larvas perfuram galerias e atinge o rizoma da planta.



E para completar a experiência, o companheiro Karijó veio puxando a mística com seu tambor,
acompanhado das crianças que seguravam a bandeira do MST, enquanto entoava uma canção que
nos fazia lembrar dos que já não estão mais entre nós e que se tornaram nossos aliados no plano
espiritual.


“- Ê vida vã... ê vida, ê vida vã - ã... O jornal de hoje, é o papel de embrulho de amanhã... Ê vida
vã...”

Finalmente resta agradecer a acolhida dos companheiros do Egídio Brunetto, pela equipe de dona
Celia: Alemão, Banana, Marcela e Andreza pela refeição no primeiro dia e pela equipe da Marcela:
Thaiza, Banana, Karen, Izaq, Dimes e Daniel pela refeição do segundo dia e ao IPESA – Instituto
de Projetos e Pesquisas Socioambientais que nos proporcionaram a maravilhosa vivência.

Observação: O Referencial Técnico deste relato foi compilado do livro Agroflorestando o mundo
do facão a trator, disponível em:
https://www.cooperafloresta.com/_files/ugd/e4b2ec_6f67a1a70da04f54b839e2224c3af5ba.pdf

Imagens: autorizadas pela organização do evento, Leandro Braz Camillo.
edição apra o blog: Antonio Devide 

3 comentários:

  1. Parabéns a todos os participantes e para o Miguel pelo excelente relato. Lendo atentamente agora me vi entre o grupo.

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  2. Miguel! Que texto mais rico, cheio de detalhes! A cada palavra eu ia revivendo a maravilha que foi essa vivência, não só quanto ao conteúdo belíssimo que o Namastê compartilhou com a gente, mas também com relação ao trabalho de todos do MST, que se dedicaram com carinho para receber este grupo da melhor forma possível. Agradeço de coração pelo texto e pela sensibilidade em registrar tudo com tamanha beleza! Abração! Vivi

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  3. Super relato! O encontro teve uma base tecnica consolidada na experiencia, sem perder a ternura, jamais!

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