19 de mai. de 2022

Relato do 2º Encontro de Restauradores da Paisagem de Pindamonhangaba


Data: 30/04/2022

Local: Chacara Pedra do Cabloco e Sítio Arco Íris - Ribeirão Grande


Por 

Carolina Mendonça

Professora


O projeto “Sistemas Agroflorestais (SAF) com Frutas Nativas e Segurança Nutricional (SAN)”, executado pela APTA (Unidade Regional de Pesquisa e Desenvolvimento de Pindamonhangaba) e Corredor Ecológico do Vale do Paraíba, teve o seu segundo encontro em Pindamonhangaba com a seguinte programação:


  1. Caminhada Transversal com Estudo de Paisagem - Chácara Pedra do Caboclo (Marcelo Rebellato)

  2. Visita ao SAF do Sítio Arco Íris (Antonio Devide)

  3. Planejamento individual da propriedade com a equipe Técnica do Corredor Ecológico

  4. 2º Mutirão agroflorestal do projeto (Figura 1)

  5. Avaliação de demandas: organizar o calendário de mutirões e treinar os participantes para o uso do tratorito e outras ferramentas. 

Figura 1. Equipe do projeto que se reuniu para o 2º Encontro.


O objetivo do encontro foi aproximar os participantes do projeto, partindo da análise de duas realidades distintas de uma propriedade do Novo Rural com área de produção extensiva em transição inicial para agroecológica e a área vizinha que está há um ano e meio se dedicando aos SAF agroecológicos. 

O projeto visa promover a interação das pessoas no planejamento do uso do solo e atividades práticas de restauração de mata ciliar com semeadura direta, formação de cercas de divisas nos moldes de corredor ecológico com árvores e frutas nativas, implantação e manejo de SAF com baixo uso de insumos externos (Figura 1).


Caminhada transversal: estudando a paisage

Os participantes realizaram o estudo da paisagem na primeira propriedade que abriu o seu recanto para esta vivência coletiva. Com o apoio e análise do pesquisador Antonio Devide e da equipe técnica do Corredor Ecológico, foi feita a caracterização de um pomar (Figura 2), das margens do ribeirão que corta a propriedade e perímetros florestais, como uma amostra do trabalho que a equipe técnica do Corredor Ecológico está desenvolvendo em cada propriedade.

Figura 2. Área de pomar na imagem à direita.


No pomar, foi observada a necessidade de adubação das árvores, por meio da própria massa verde fornecida pelo manejo de conservação do terreno (roçada e podas). Também foi proposta a criação de um SAF ao longo da cerca lateral, onde há um corredor com plantio de algumas palmeiras juçara, árvores nativas que podem ser manejadas para adubação verde, como a gravitinga e o pau jacaré, além de plantas ornamentais para adubação verde e embelezamento do terreno.


Em direção a parte baixa do terreno, com olhar cuidadoso observa-se na beira do ribeirão algumas diferenças fundamentais entre as duas margens: uma com muitas plantas que realizam a contenção do solo e previnem a erosão natural das margens, uma vez que nas cheias do ribeirão a força das águas provoca forte erosão da camada superficial do solo (vídeo 1, Figura 3).

Vídeo 1. Vegetação ciliar exótica nas margens: capim napier (arbustivo) protege mais que a grama batatais (rasteira).


Figura 3. Área sem mata ciliar com forte remoção do solo pela força da água e margem oposta com capim napier alto conservando a integridade das margens.


As plantas de proteção ciliar foram identificadas como lírio do brejo e lágrima-de-nossa-senhora (Figura 4), muito comuns no Ribeirão Grande de Pindamonhangaba, porém, com origem longínqua: a África. Estas plantas, foram o único conforto dado aos negros escravizados em suas insólitas travessias marítimas até às Américas.


 

Figura 4. Lírio do brejo se regenerando da roçada no primeiro plano, lágrima-nossa-senhora no segundo plano e a floresta nativa ao fundo.


Na margem oposta do ribeirão, mais próxima à floresta e à montanha, em outra ocasião, foi avistado um grande felino conhecido como gato mourisco (Puma yagouaroundi) (Figura 5), que nos faz refletir sobre a importância das agroflorestas na manutenção de corredores ecológicos para a fauna que transita da Serra da Mantiqueira.







Figura 5. Gato mourisco. Fonte: https://portaldoscaesegatos.com.br/gatos-selvagens/jaguarundi/



Visita ao SAF do Sítio Arco Íris (área vizinha) - pesquisador Antonio Devide 

O grupo trocou conhecimentos e saberes sobre plantas estratégicas para os SAF, tais como leguminosas arbóreas para adubação verde (Sesbania virgata e Erythrina speciosa) (Figura 6). Este tipo de leguminosa arbórea pode fixar até 600 kg ao ano de Nitrogênio atmosférico em seus tecidos vegetais, ao estabelecer associação simbiótica com bactérias nativas (DÖBEREINER, 1984). 

 

Figura 6. Erythrina speciosa, uma leguminosa arbórea que serve de moirão vivo.


Sesbânia e eritrina são árvores tolerantes ao alagamento do solo e no caso da eritrina, também pode ser plantada por meio de estacas e ainda servir de moirão vivo na formação de cercas ecológicas, sendo uma alternativa promissora para reduzir os custos de formação e manutenção de cercas de divisas e sobre os efeitos de supressão da vegetação diante dos meios convencionais de construção e manutenção de cercas.

A ideia do projeto é conectar as duas propriedades vizinhas por meio de cercas ecológicas manejadas como SAF, tendo a eritrina a espécie para moirão vivo para receber a poda que fornecerá o adubo orgânico rico em nitrogênio para a palmeira juçara em associação constituindo uma importante estratégia na busca do desenvolvimento sustentável em propriedades rurais em transição agroecológica (Figura 7).

Figura 7. Sesbania virgata, uma leguminosa arbórea plantada pequenina (direita da estaca) em associação com palmeira juçara (base da estaca) que serve para adubação verde e ativação dos fungos micorrízicos do solo.


A Gliricidia sepium (gliricídia) é outra espécie arbórea leguminosa, porém, exótica, que vem sendo plantada para pesquisa comparativa com as arbóreas nativas, que visa determinar a sobrevivência, vigor no crescimento, tolerância a poda e aporte de resíduos orgânicos para adubação verde das culturas de interesse.

Esta e outras espécies de leguminosas arbóreas são capazes de fixar nitrogênio atmosférico por meio da associação simbiótica com bactérias e vêm sendo alvo da atenção de muitos centros de pesquisas tropicais, em função da multiplicidade de produtos e benefícios que oferecem com adaptabilidade a diferentes zonas ecológicas tropicais (NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES, 1980). 

A caminhada de observação da paisagem mudou um pouco quando o grupo chegou no SAF da área vizinha. O plantio e manejo agroflorestal seguem sendo feitos com ênfase na introdução de frutíferas nativas e espécies nativas da regeneração natural, com uma ano e meio de idade (Figura 8).

Figura 8. Mesmo com a chuva, a caminhada foi animada.


O início do plantio do SAF na beira da mata (fundo do terreno) após a roçada do lírio e capins com linhas de diversidade contendo espécies perenes (banana, frutas nativas, árvores para poda) e anuais aptas para terra seca (mandioca, batata-doce e abacaxi) e super úmida (açafrão, araruta, taioba e inhame) (Figura 9).

Figura 9. Característica do plantio inicial com roçada e plantio em área total.


O ataque de javali fez o pesquisador modificar a estratégia de implantação do SAF. Atualmente, apenas o açafrão é mantido no sistema como componente anual e a vegetação arbustiva é mantida alta em todo terreno, sem ser roçada. Assim, os capins, o lírio e uma diversidade de espécies floríferas nativas abrigam uma diversidade de organismos vivos, como abelhas, aves, répteis e mamíferos que circulam no local.

A regeneração de árvores, como a embaúba (Cecropia sp.), é dirigida pelo manejo de poda alta (1,30m) para permitir a rebrota (Figura 10 e 11). Os resíduos das árvores são colocados entorno das frutas nativas e bananeiras. A meta é estabelecer um sistema autosuficiente em nutrientes.
 
Figura 10 e 11. Linhas de diversidade contendo guandu e mamona para produção de sementes e poda, gliricídia e sesbânia para poda, a bananeira que cria abaixo dela a palmeira juçara e entre as bananeiras as frutíferas nativas, além da embaúba para poda no estrato emergente, que serve para proteção da bananeira dos fortes ventos e geada.

Além da embaúba, também tem a gravitinga (Solanun sp.) que se destaca como arbórea para adubação verde e moirão vivo. As folhas de gravitinga também podem ser empregadas no processo de maturação de frutos de banana.

Sob o ponto de vista ecológico, essas árvores servem de alimento para uma gama de organismos vivos, tais como aves e morcegos, razão pela qual estão presentes em grande quantidade no SAF, por serem dispersas por esses organismos.

Um dos objetivos do projeto é viabilizar a adequação legal dos procedimentos de manejo dessas árvores nos SAF que deve compor uma cartilha de orientação aos proprietários rurais. Apesar de não ideal, a poda alta visa deixar a base do tronco das árvores intacto, para permitir a rebrota e servir de tutor para plantas trepadeiras, tais como pitaia, cará, chuchu, amendoim da amazônia (sacha inchi), maracujá, esponja e outras espécies.

Outra planta especial presente nesta propriedade foi uma pequena árvore de araçá amarelo, frutífera nativa da Mata Atlântica que entrou em produção dois anos após o plantio (Figura 12). 


 

Figura 12. Frutos de araçá amarelo, árvore frutífera nativa da Mata Atlântica.


Planejamento individual da propriedade com a equipe do Corredor Ecológico

Foi feita uma vivência prática de como serão as análises das propriedades participantes do projeto 'Sistemas Agroflorestais (SAF) com Frutas Nativas e Segurança Nutricional (SAN)', em Pindamonhangaba, com o apoio da equipe técnica do Corredor Ecológico.

Após a caminhada transversal de análise dos diferentes setores da propriedade (pomar, beira do rio e perímetros florestais), foi feita uma planta baixa da propriedade contendo os diferentes tipos de plantio para cada setor da propriedade (Figura 12).


Figura 12. Planejando as áreas de plantio, com a equipe técnica, após observação coletiva.


2º Mutirão agroflorestal do projeto

O mutirão na Chácara Pedra do Caboclo foi puxado pelo proprietário Marcelo Rebellato de forma espontânea, demonstrando o espírito de fraternidade já presente entre os participantes. O grupo se animou, após conhecer uma ferramenta artesanal desenvolvida por um dos integrantes do Corredor Ecológico (Carlos Silvestre): a vanga bate-estaca (vídeo 2). Elaborada para facilitar a retirada de mudas das bananeiras, todos puderam testá-la.

Vídeo 2. Demonstração da cavadeira trazida por Carlos Silvestre (Corredor Ecológico).


Após a retirada de mudas de banana nanica e maçã, as mesmas foram plantadas diretamente sobre a grama batatais, que também fixa nitrogênio, juntamente com mudas de frutíferas (citrus, pitanga, cambuci, condessa) fornecidas pelo projeto. Para adubação verde foram semeados feijão-de-porco e mamona, plantadas estacas de margaridão e mudas de eritrina e embaúba.

Em pouco tempo de trabalho, mas com a ajuda fundamental de todos, um pequeno SAF foi implementado (Figuras 13 e 14). Capim napier do entorno foi roçado e depositado nas linhas de plantio para cobertura do solo.

 

Figura 13 e 14. Croqui do SAF e vista da área implantada em mutirão.


Novo mutirão deve reunir o grupo para o plantio das matas ciliares com semeadura direta (muvuca) de sementes florestais e frutas nativas e enriquecimento da área implantada com palmeira juçara e outros componentes.


Avaliação de demandas necessárias, ao fim do encontro:

  • Organização do calendário de mutirões: para que o proprietários rurais possam se organizar para participar e possibilitar caronas solidárias para implantação e manejo dos SAF ao longo do ano de 2022, em Pindamonhangaba.

  • Treinamento para uso do tratorito e outras ferramentas: como muitas pessoas não sabem manusear alguns equipamentos que serão utilizados ao longo dos mutirões (tratorito, motocoveador p.ex.), foi definido que haverá um treinamento prévio. Estes equipamentos serão emprestados e os beneficiados deverão assinar um termo de responsabilidade. 

Figura 14. Tratorito adquirido pelo projeto.


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Imagem com Produtos locais do lanche compartilhado pelos participantes:

Participantes: 

  • Proprietários Rurais 

  • APTA - Unidade Regional de Pesquisa e Desenvolvimento, Pindamonhangaba (ex.Polo Regional)

  • Corredor Ecológico do Vale do Paraíba


Financiamento: empresa Dupon, filial Pindamonhangaba 


Imagens:  Carolina Medeiros e Antonio Devide

 

Referências bibliográficas:

Fonte EMBRAPA: https://www.spo.cnptia.embrapa.br/conteudo?p_p_id=conteudoportlet_WAR_sistemasdeproducaolf6_1ga1ceportlet&p_p_lifecycle=0&p_p_state=normal&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-3&p_p_col_count=1&p_r_p_-76293187_sistemaProducaoId=4308&p_r_p_-996514994_topicoId=4570

 

 

Edição para o blog: Antonio Devide - pesquisador da APTA


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