26 de abr. de 2024

Curso de Formação de Viveiristas e Produção de Espécies Nativas da Mata Atlântica

~  Texto e fotos por Lucas Coelho  ~


Chegar até o assentamento Luis Carlos Prestes não é das tarefas mais simples. Localizado nas entranhas do Vale do Paraíba, entre as cidades de Taubaté e Lagoinha, é um local onde o asfalto está chegando agora, a luz e a água são improvisadas e a internet só deu as caras em pontos isolados. Talvez esse tenha sido um dos motivos que levou à imersão completa no Curso de Viveiristas promovido pela Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba, que aconteceu nos dias 5 e 6 de abril.  

Longe das redes, a socialização torna-se mais fácil e o contato humano, mais honesto. Sem as distrações dos celulares, foi possível conhecer a história de cada um dos quase cinquenta participantes que se apertaram em roda no velho rancho do que um dia foi uma fazenda. Sob o firme comando de Deise, uma mulher que há anos luta junto aos companheiros do Vale, falamos, ouvimos, nos conhecemos e nos conectamos.  


Trabalhadores do campo, da cidade, do poder público e militantes de diversos cantos se revezaram para trazer suas dúvidas a Felipe e Ricardo, que comandaram com muita tranquilidade e profissionalismo o curso. Explicaram as melhores técnicas para preparo da área, as melhores proporções para a construção de um substrato eficiente, os macetes e as dicas que só quem tem intimidade com a natureza pode oferecer.  


Na fila para o almoço, o ronco dos estômagos se misturava com as risadas. Estávamos felizes por estar ali, trocando experiências e construindo laços. Entre uma mordida no frango e um gole de suco de maracujá, o grupo recuperou as energias que o sol do meio dia havia tirado. Sentaram-se pelas sombras dos beirais e das árvores e diminuiram o ritmo. Uma brisa suave soprou o desejo de um cochilo militante, que lembrava que o ócio e o descanso coletivo são privilégios de quem rompe com a lógica capitalista de produtividade e microgerenciamento das solidões dos trabalhadores.  

A tarde chegou e com ela, a terra preparada e as mudas que foram plantadas. Falou-se sobre os prazeres e as dificuldades de se tirar da terra o sustento e, quando menos se esperava, o sol já baixava atrás dos montes verdes que circundam a região. Os que por lá ficariam, começaram a se organizar para montar acampamento. Os que partiriam, buscavam espaço nos carros para chegar até a cidade mais próxima. 



No dia seguinte, o curso continuou, dessa vez, no assentamento Conquista, com um café da manhã reforçado entre os pés de Lichia que Deise cultiva com esmero. Os participantes chegavam, não mais como colegas de curso, mas como amigos de longa data. Entre abraços, conversas foram retomadas e a expectativa para o dia se amplificavam. Ricardo encaminhou o grupo para uma área de sombra, próxima a um viveiro recém construído, onde todos puderam entrar em contato com uma quantidade enorme dos mais variados tipos de sementes, desde as mais comuns até as mais exóticas, que o agricultor apresentava com intimidade, explicando detalhes sobre as melhores maneiras que cultivá-las.  

Mãos à obra, os participantes se revezaram ao redor do longo canteiro para cobri-lo com as sementes que já poderiam ir à terra. Outras, foram despejadas em uma panela de água fervente e posteriormente em um balde de gelo. Algumas mais, passaram por uma raspagem em esmeril. “É o processo de quebra de dormência”, explicou Ricardo. “Assim, você tem a garantia de que todas irão germinar ao mesmo tempo”.  

Ao fim do dia, um passeio pelo lote guiado pela voz de Deise, nos colocou em contato direto com áreas de cultivo avançadas, técnicas de irrigações das mais diversas e plantas de altíssima qualidade e beleza. Histórias de vida irrigaram os canteiros. 

Pouco a pouco os participantes se despediram e se foram, com seus cadernos repletos de informações valiosas, a cabeça cheia de ideias e o coração repleto de esperança.  


Eu também tive que ir. Mas levei comigo algo inesperado. Uma semente que havia sido plantada lá atrás, de repente germinou. Uma fé, diferente daquelas que conheci na cidade – e talvez amais difíceis de todas - começou a crescer dentro de mim. 

A fé de que a humanidade ainda pode virar o jogo. E que poderemos finalmente compartilhar o pão, o vinho, a dança, a risada e o amor por tudo que a natureza nos dá.


Sobre o autor: Lucas Coelho é designer, produtor audiovisual e comunicador social e popular.

Um comentário:

  1. Parabéns pela iniciativa ! Esse exemplo deve ser replicado nos milhares de municípios do Brasil. A natureza agradece. Que sejam criados muitos cursos e novos viveiros por todo o país. Que os estados e municípios apoiem e financiem essas eventos.

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