trabalho originalmente apresentado no Antonio Carlos Pries Devide*
1,2
, Leandro Braz Camillo2
, Cristina Maria de Castro1,2
,
Patrícia Lopes2,3, Thales Guedes Ferreira2
, Anna Cláudia Leite2
, Rodrigo Dametto Faria
Santos2
, Mariana Oliveira3
1 Unidade Regional de Pesquisa e Desenvolvimento - Pindamonhangaba (Apta)
2 Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba (INRA)
3 World Resources Institute - Brasil (WRI)
*antonio.devide@sp.gov.br
Resumo
Desde 2011 a Rede Agroflorestal desenvolve ações para fortalecer os sistemas agroflorestais
e restaurar a paisagem no Vale do Paraíba. Em 2021 um plano de ação foi desenvolvido com
apoio da WRI Brasil a partir de questionários e oficinas de coleta de informações sobre o perfil
dos integrantes da rede e os impactos dos SAF na paisagem e na segurança alimentar. Os
SAF estão presentes em 12 municípios, principalmente na reforma agrária. Há equilíbrio nas
relações de gênero no planejamento dos SAF, a maioria dos produtores tem idade entre 36 e
55 anos (51%), com ensino médio (51%) ou do técnico à pós-graduação (47%). Os núcleos
de produção contam com até 4 pessoas (70%) e mão de obra familiar (46%). A maior parte
da renda provém da agricultura e agrofloresta (47%). As tipologias de SAF mais frequentes
são aleias (50,7%), quintais agroflorestais (43,7%), SAF biodiverso regenerativo (32,4%) e
agricultura sintrópica (31%). As propriedades têm entre 12 e 48 hectares (68%) e a paisagem
ainda está degradada ou em estágio inicial de restauração (54%). A regeneração natural e a
ocorrência de fauna são superiores nas áreas de SAF. As informações obtidas no
levantamento confirmam a importância dos SAF na geração de renda e inserção dos
agricultores familiares na regeneração da paisagem do Vale do Paraíba.
Introdução
A restauração de paisagens e florestas é uma das principais soluções para combater a crise
climática global e melhorar a segurança alimentar, o fornecimento de água e a biodiversidade.
No Brasil e no Vale do Paraíba Paulista (VPP) existem muitas áreas degradadas e pouco
produtivas que não estão exercendo sua função ecológica, podendo ser melhoradas por meio
de um trabalho coletivo e com uma visão de longo prazo.
A Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba surgiu entre os anos de 2011 e 2012 da união de
diversos atores interessados em articular a prática e disseminar os SAF para restaurar a
paisagem na bacia do Paraíba do Sul. Inicialmente, os encontros ocorreram em mutirões
agroflorestais em Pindamonhangaba. Essas atividades ganharam escala e reuniram dezenas
de pessoas de diversas origens que praticam os SAF em diferentes compartimentos da bacia
hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, principalmente do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra. A união de diversas iniciativas resultou na formação de um grupo que organizam
os mutirões, vivências, cursos e oficinas (REDE AGROFLORESTAL, 2021).
O resgate e produção das PANC também foi estimulada através da alimentação saudável
servida nos mutirões. Essa estratégia fortaleceu a segurança alimentar e nutricional e tem
potencial de melhoria da renda nas unidades de produção, uma vez que essas plantas são
mais rústicas que hortaliças convencionais, aptas na etapa inicial de regeneração do ambiente
com princípios agroecológicos e demandam baixo aporte de recursos externos e capital.
A diversidade de atores envolvidos e a comunicação digital em tempos de pandemia fez
aflorar a troca de saberes, a ‘tirada de dúvidas’, a rede de troca de sementes, mudas e
produtos agroecológicos, encadeando circuitos curtos de comercialização, com diversidade
de produtos e inclusão de pessoas que ainda estão à margem do mercado.
No ano de 2021, com o apoio do WRI - os membros da Rede Agroflorestal realizaram um
trabalho de identificação do perfil de seus integrantes, dos impactos dos SAF na paisagem e
na soberania alimentar e nutricional nas famílias. O objetivo desse artigo é apresentar a
metodologia e o resultado da pesquisa como subsídio a elaboração de um Plano de Ação. A
hipótese é de que os SAF restaurem a paisagem e proporcionem aumento da segurança
alimentar e nutricional das comunidades atendidas (REDE AGROFLORESTAL, 2021).
Metodologia
Essa pesquisa foi concentrada nas experiências agroflorestais no Vale do Rio Paraíba do Sul
que se estende por 290 km ao longo deste rio, abrangendo localidades interioranas da Serra
da Mantiqueira e Serra da Bocaina, além de Litoral Norte.
Para levantar as prioridades para o Plano de Ação, questionários foram elaborados com
aplicativo de gerenciamento de pesquisas para agricultores. A fim de superar a exclusão
digital e/ou a baixa escolaridade formal, três facilitadores treinados visitaram quatro
assentamentos de reforma agrária, preenchendo os formulários impressos e digitalizando os
dados. Um termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado ou gravado em cada
entrevista, autorizando o uso de imagens e a reprodução dos relatos.
Resultados da frequência relativa ou absoluta são apresentados em gráfico explosão solar.
Resultados
Com base em 71 respostas verifica-se que 51% dos responsáveis pela produção de alimentos
têm idade entre 36 e 55 anos, há equilíbrio nas relações de gênero no manejo agroflorestal e
mais da metade provém de fora do estado de São Paulo; 50,6% possuem escolaridade formal
até o ensino médio e 46,5% do ensino técnico à pós-graduação (Figura 1).
Figura 1. Identidade dos membros da Rede Agroflorestal. São Paulo (estado), Brasil. 2021. Metade das pessoas que produzem alimentos têm outra ocupação, o núcleo de produção em
70% dos casos é composto por duas a quatro pessoas e a mão de obra familiar predomina
(46%). A renda provém da agrofloresta e da agricultura em 47% dos casos (Figura 2).

Figura 2. Características dos núcleos da Rede Agroflorestal. São Paulo (estado), Brasil. 2021.
Os SAF estão presentes em 18 municípios do Vale do Paraíba, Serra da Mantiqueira, Serra
da Bocaina e Litoral Norte, com destaque para os núcleos nos assentamentos de reforma
agrária em São José dos Campos, Tremembé (2) e Lagoinha, com 61 iniciativas. A maioria
das propriedades rurais têm entre 12 e 48 hectares (68%) e a paisagem está principalmente
degradada ou em estágio inicial de regeneração (54%). Nas áreas de SAF, a regeneração
natural e a ocorrência de fauna são iguais ou superiores ao entorno (Figura 3).

Figura 3. Características das propriedades rurais e efeitos dos SAF na paisagem. São Paulo
(estado), Brasil. 2021.

Figura 4. Tipologias de sistemas agroflorestais nas unidades de produção dos membros da
Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba. São Paulo (estado). Brasil. 2022.
Discussão
Atualmente, há um desafio de produzir alimentos em tempos de mudanças climáticas com
períodos de seca cada vez mais extensos, em paisagens degradadas pelas ações humanas.
Nesse cenário, a Agroecologia trouxe conhecimentos para o planejamento e o redesenho de
agroecossistemas baseados nos princípios da ecologia (GLIESSMAN, 2018).
Nesse campo da ciência, o manejo dos recursos naturais é uma ação social coletiva que gera
e dissemina tecnologias para novas formas de produção e consumo sustentáveis que
contribuem na redução dos efeitos da crise ecológica da sociedade contemporânea
(GUZMÁN et al., 2013), transformando agricultores em promotores da restauração da
paisagem com sistemas produtivos menos dependentes de insumos externos (STEENBOCK
et al., 2013).
Em 2011 a Rede Agroflorestal surgiu de mutirões agroflorestais que reuniram pessoas
vinculadas à reforma agrária e ao novo rural com o objetivo de praticar e disseminar os SAF
para restaurar a paisagem na bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul.
Em uma análise dos espaços cultivados com SAF, constata-se novas relações entre
agricultores e a paisagem, que transformam a terra degradada, recoberta com capins, em solo
fértil e produtivo. Dar continuidade e fortalecer a articulação entre essas iniciativas é um passo
no desenvolvimento da agenda de restauração. Ainda há 46,5% de áreas aptas para a
agrossilvicultura nesta região (PADOVEZI et al., 2018).
Conclusões
As informações obtidas no levantamento confirmam a importância dos SAF na geração de
renda e inserção dos agricultores familiares na regeneração da paisagem do Vale do Paraíba.
Literatura citada
Gliessman S. Defining agroecology. Agroecology and Sustainable Food Systems, v. 42, n. 6,
pp. 599–600, 2018.
Guzmán E. S., Woodgate G. Agroecology: foundations in agrarian social thought and
sociological theory. Agroecology and Sustainable Food Systems, v. 37, n. 1, pp. 32–
44, 2013.
Padovezi A et al.. Oportunidades para restauração de paisagens e florestas na porção paulista do Vale
do Paraíba: Plano de Desenvolvimento Florestal Territorial para a porção paulista do Vale do
Paraíba. Governo do Estado de São Paulo, Secretaria do Meio Ambiente, Programa Nascentes,
Porto Alegre: Ideograf, 2018. 132 pp.
Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba. 2022. Plano de Ação da Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba.
Orgs.: Devide ACP, Lopes P, Camilo LB, Ferreira TG, Oliveira MF. São Paulo, Brasil: 2021. 57
pp. Relatório técnico.
Steenbock W, Vezzani FM. Agrofloresta: aprendendo a produzir com a natureza. Curitiba:
UFPR, 2013. 148 p. il.