Local> Sítio Terra de Santa Cruz, Aparecida - SP
Por: Engº Agrº Edson Fontella
No dia 20 de agosto os participantes do Curso
Pedagógico-profissional de Longa Duração em Agroecologia puderam vivenciar as
experiências desenvolvidas no Sítio Terra de Santa Cruz, mantido pelos Engºs Agrºs Marcos Marsicano e Ana Salles Aguiar e por zelosos colaboradores. O casal
produz orgânicos há cerca de trinta anos e no sítio em Roseira possuem áreas de
sistemas agroflorestais beirando os dez; com eles pudemos nos sensibilizar com
relação aos desafios inerentes à produção agrícola e à importância do
planejamento de atividades e da propriedade.
As principais atividades econômicas desenvolvidas no sítio
são: o beneficiamento de bananas em bananas-passa, a criação de alevinos de
tilápias e o beneficiamento do açafrão da terra. Além disso, uma grande
variedade de alimentos são produzidos nos SAFs, com destaque para o mamão, que
encontra mercado consumidor na cidade de São Paulo. Madeiras para o futuro
também merecem destaque, como o araribá rosa e o cedro africano.
Figura 1 produção de
café e banana em sistema agroflorestal
A Engª Agrº Ana Salles nos explicou que a qualidade dos seus produtos
(atestada por nossas papilas gustativas), além de ser conseqüência do bom
manejo do solo, dos nutrientes e das plantas, “vem do amor incondicional, que é
a condição básica para se fazer agrofloresta”, nas palavras dela. De fato, a
filosofia se aplica ali na forma de uma agricultura regenerativa ao solo e aos
processos biológicos; também se aplica na boa convivência com empregados, os fornecendo
capacitações e sensibilizações para melhor qualidade de vida.
Figura 2 Marcos nos
explicando sobre a dinâmica e funcionamento do SAF
O Marcos nos acompanhou numa visita de campo. Primeiro,
visitamos as criações de alevinos. O sistema funciona com a reutilização da água,
que retirada do fundo das baias com a “sujeira” rica em matéria orgânica, passa
por um tanque de decantação primário para a retirada de sólidos. Em seguida, a
água passa por tanques com plantas aquáticas (primeiro o papirus e depois a
alface-d’água), chamados de 'wetlands', retornando a água em seguida para os tanques de alevinos ou sendo
utilizada na fertirrigação de determinadas áreas de SAFs.
Figura 3 oxigenação
de um dos tanques de alevinos
Figura 4 Wetland para filtragem
biológica com alface d'água
Dentre todos os sistemas agroflorestais do sítio, o mais
antigo (e por isso chamado de “Pioneiro”), produz principalmente banana nanica
e mamão, tendo ainda espécies de café, araribá rosa, pupunha, dentre outras.
Sob os aspectos do manejo, chamou a atenção a experiência de que a calda
bordalesa (utilizada no combate à cercosporiose do café), provoca desequilíbrio
do elemento nitrogênio na planta e para contornar o problema o Marcos nos disse
que adiciona entre 0,5 e 1,0% de xixi de vaca na solução da calda. Também, foi
interessante constatar o efeito protetor contra geada de um estrato de plantas
mais alto sobre as bananeiras, que apresentam elevada produtividade.
Figura 5 SAF
pioneiro com bananeiras no estrato médio entremeadas com árvores e palmeiras do estrato alto e emergente em formação.
Foi apresentado a seguir o SAF chamado de “Bambu” por estar
próximo a um bambuzal; tem entre suas espécies a banana caipira, o café, o
mogno africano, dentre muitas outras. Das duas espécies de mogno, Kaya ivorensis e Kaya senegalensis, a segunda apresentou desenvolvimento melhor. As
adubações periódicas deste e dos outros SAFs consistem em adubação foliar,
aplicação de farelos com microrganismos, cobertura de solo com matéria
orgânica (troncos de madeira e palhada), além de esterco. Este SAF, diferente
do anterior, não apresenta “linhas de serviço”, as quais são linhas de plantas
cultivadas com destino a serem podadas para virar cobertura de solo (mulch). Marcos nos
disse que pretende enriquecer o sistema com plantas pioneiras, a exemplo das gliricídias, árvores que fixam o nitrogênio do ar em simbiose com bactérias do solo e também intensificam a atividade micorrízica, conferindo maior estabilidade do sistema como um todo, pois, muitos desses organismos também se associam com plantas cultivadas fortalecendo a teia da vida do solo. No SAF “Bambu”, também, aprendemos que a mudança radical da quantidade
de luz (derivada da poda de plantas que ocupam dossel), pode causar estresse em
plantas de estrato inferior, como no caso, o cafeeiro que “queima” suas folhas. Uma das alternativas é realizar a poda parcial, em que espécies emergentes com o estrato da copa pouco superior ao café são poupadas. Essas espécies em associação interceptam parcialmente a energia luminosa, dando tempo para que o cafeeiro adeque os teores de clorofilas para captar a energia luminosa de maior intensidade, reduzindo os teores de clorofilas 'c' e 'b', que são adaptadas a comprimentos de luz de baixa frequência de subosque, por clorofila 'a' adaptada a alta intensidade luminosa do pleno sol.
O SAF “Flora” é um experimento implantado pelo mestre Zé
Ferreira (agricultor agroflorestal do Sertão do Taqueari, de Paraty-RJ) em um projeto associado com a Faro (Faculdade de Roseira), há cerca de
dois anos e meio, que contou com a parceria de Laura Schmidt e Edson Oliveira. Esse SAF já produziu em sua fase inicial: abóbora, feijão e inhame. No
atual estágio, tem como principais espécies: o cafeeiro e a bananeira, os quais tem
suas linhas intercaladas com “plantas de serviço” (adubadeiras), tais como a gliricídia, a
tefrósia, a flemíngia e a sesbânia. O guanandi, cultivado como madeira nobre, também se faz
presente como “árvore do futuro”.
Figura 6. Thiago Ribeiro Coutinho do do pré Assentamento Egídio Brunetto de Lagoinha realiza a coleta de
sementes de tefrósia para distribuição aos participantes do curso.
O sítio apresenta ainda outras áreas de SAFs, todas com grande
diversidade de espécies, estimando-se em pelo menos 50 o número total de
espécies dentro dos consórcios. Dentre elas estão: a pffáfia, também conhecida
como ginseng brasileiro - tônico físico e mental. Outra planta que nos chamou a
atenção foi o rami - erva multifuncional que tem folhas que se prestam à
alimentação animal por ter alto teor de proteína e que serve para a extração de
fibras, as quais são resistentes e longas.
Figura 7 Marcos realiza a explicações
sobre os múltiplos usos do rami (á direita)
Figura 8. Marcos demonstra o cultivo agroflorestal do Ginseng brasileiro.
Por fim, nos foi apresentado algumas caldas biológicas, as
quais são preparados feitos a partir da fermentação (aeróbia e/ou anaeróbia) de
diferentes produtos com fins a enriquecer um substrato ou um plantio; os
microorganismos eficientes (EM) também são aplicados com farelo de arroz nas áreas de
cultivo.
Devido a tantas atividades desenvolvidas e à riqueza dos detalhes,
tratos e processos, o tempo de um dia não foi suficiente para vivenciar todos
os aprendizados que o sítio poderia nos proporcionar. Da rica experiência no
cultivo, processamento e fornecimento ao mercado fica a gratidão e a lembrança
de um belo dia de contemplação, cultivo de amizades e troca de experiências.
Imagens: Edson Fontella
Revisão/adaptação: Antonio Carlos Pries Devide - Pesquisador da APTA Polo Vale do Paraíba
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