24 de fev. de 2023

MELHORIA DA SOCIOECONOMIA E DO MEIO AMBIENTE POR MEIO DOS SISTEMAS AGROFLORESTAIS NO VALE DO PARAÍBA

 trabalho originalmente apresentado no

Antonio Carlos Pries Devide* 1,2 , Leandro Braz Camillo2 , Cristina Maria de Castro1,2 , Patrícia Lopes2,3, Thales Guedes Ferreira2 , Anna Cláudia Leite2 , Rodrigo Dametto Faria Santos2 , Mariana Oliveira3 

1 Unidade Regional de Pesquisa e Desenvolvimento - Pindamonhangaba (Apta) 2 Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba (INRA) 3 World Resources Institute - Brasil (WRI) *antonio.devide@sp.gov.br


Resumo

Desde 2011 a Rede Agroflorestal desenvolve ações para fortalecer os sistemas agroflorestais e restaurar a paisagem no Vale do Paraíba. Em 2021 um plano de ação foi desenvolvido com apoio da WRI Brasil a partir de questionários e oficinas de coleta de informações sobre o perfil dos integrantes da rede e os impactos dos SAF na paisagem e na segurança alimentar. Os SAF estão presentes em 12 municípios, principalmente na reforma agrária. Há equilíbrio nas relações de gênero no planejamento dos SAF, a maioria dos produtores tem idade entre 36 e 55 anos (51%), com ensino médio (51%) ou do técnico à pós-graduação (47%). Os núcleos de produção contam com até 4 pessoas (70%) e mão de obra familiar (46%). A maior parte da renda provém da agricultura e agrofloresta (47%). As tipologias de SAF mais frequentes são aleias (50,7%), quintais agroflorestais (43,7%), SAF biodiverso regenerativo (32,4%) e agricultura sintrópica (31%). As propriedades têm entre 12 e 48 hectares (68%) e a paisagem ainda está degradada ou em estágio inicial de restauração (54%). A regeneração natural e a ocorrência de fauna são superiores nas áreas de SAF. As informações obtidas no levantamento confirmam a importância dos SAF na geração de renda e inserção dos agricultores familiares na regeneração da paisagem do Vale do Paraíba. 

Introdução

A restauração de paisagens e florestas é uma das principais soluções para combater a crise climática global e melhorar a segurança alimentar, o fornecimento de água e a biodiversidade. No Brasil e no Vale do Paraíba Paulista (VPP) existem muitas áreas degradadas e pouco produtivas que não estão exercendo sua função ecológica, podendo ser melhoradas por meio de um trabalho coletivo e com uma visão de longo prazo. 

A Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba surgiu entre os anos de 2011 e 2012 da união de diversos atores interessados em articular a prática e disseminar os SAF para restaurar a paisagem na bacia do Paraíba do Sul. Inicialmente, os encontros ocorreram em mutirões agroflorestais em Pindamonhangaba. Essas atividades ganharam escala e reuniram dezenas de pessoas de diversas origens que praticam os SAF em diferentes compartimentos da bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, principalmente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. A união de diversas iniciativas resultou na formação de um grupo que organizam os mutirões, vivências, cursos e oficinas (REDE AGROFLORESTAL, 2021). 

O resgate e produção das PANC também foi estimulada através da alimentação saudável servida nos mutirões. Essa estratégia fortaleceu a segurança alimentar e nutricional e tem potencial de melhoria da renda nas unidades de produção, uma vez que essas plantas são mais rústicas que hortaliças convencionais, aptas na etapa inicial de regeneração do ambiente com princípios agroecológicos e demandam baixo aporte de recursos externos e capital. 

 A diversidade de atores envolvidos e a comunicação digital em tempos de pandemia fez aflorar a troca de saberes, a ‘tirada de dúvidas’, a rede de troca de sementes, mudas e produtos agroecológicos, encadeando circuitos curtos de comercialização, com diversidade de produtos e inclusão de pessoas que ainda estão à margem do mercado. 

No ano de 2021, com o apoio do WRI - os membros da Rede Agroflorestal realizaram um trabalho de identificação do perfil de seus integrantes, dos impactos dos SAF na paisagem e na soberania alimentar e nutricional nas famílias. O objetivo desse artigo é apresentar a metodologia e o resultado da pesquisa como subsídio a elaboração de um Plano de Ação. A hipótese é de que os SAF restaurem a paisagem e proporcionem aumento da segurança alimentar e nutricional das comunidades atendidas (REDE AGROFLORESTAL, 2021). 


Metodologia 

Essa pesquisa foi concentrada nas experiências agroflorestais no Vale do Rio Paraíba do Sul que se estende por 290 km ao longo deste rio, abrangendo localidades interioranas da Serra da Mantiqueira e Serra da Bocaina, além de Litoral Norte. 

 Para levantar as prioridades para o Plano de Ação, questionários foram elaborados com aplicativo de gerenciamento de pesquisas para agricultores. A fim de superar a exclusão digital e/ou a baixa escolaridade formal, três facilitadores treinados visitaram quatro assentamentos de reforma agrária, preenchendo os formulários impressos e digitalizando os dados. Um termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado ou gravado em cada entrevista, autorizando o uso de imagens e a reprodução dos relatos. 

Resultados da frequência relativa ou absoluta são apresentados em gráfico explosão solar. 


 Resultados 

Com base em 71 respostas verifica-se que 51% dos responsáveis pela produção de alimentos têm idade entre 36 e 55 anos, há equilíbrio nas relações de gênero no manejo agroflorestal e mais da metade provém de fora do estado de São Paulo; 50,6% possuem escolaridade formal até o ensino médio e 46,5% do ensino técnico à pós-graduação (Figura 1). 

Figura 1. Identidade dos membros da Rede Agroflorestal. São Paulo (estado), Brasil. 2021. 

Metade das pessoas que produzem alimentos têm outra ocupação, o núcleo de produção em 70% dos casos é composto por duas a quatro pessoas e a mão de obra familiar predomina (46%). A renda provém da agrofloresta e da agricultura em 47% dos casos (Figura 2). 

Figura 2. Características dos núcleos da Rede Agroflorestal. São Paulo (estado), Brasil. 2021. 

Os SAF estão presentes em 18 municípios do Vale do Paraíba, Serra da Mantiqueira, Serra da Bocaina e Litoral Norte, com destaque para os núcleos nos assentamentos de reforma agrária em São José dos Campos, Tremembé (2) e Lagoinha, com 61 iniciativas. A maioria das propriedades rurais têm entre 12 e 48 hectares (68%) e a paisagem está principalmente degradada ou em estágio inicial de regeneração (54%). Nas áreas de SAF, a regeneração natural e a ocorrência de fauna são iguais ou superiores ao entorno (Figura 3). 

Figura 3. Características das propriedades rurais e efeitos dos SAF na paisagem. São Paulo (estado), Brasil. 2021. 

Figura 4. Tipologias de sistemas agroflorestais nas unidades de produção dos membros da Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba. São Paulo (estado). Brasil. 2022. 


Discussão 

Atualmente, há um desafio de produzir alimentos em tempos de mudanças climáticas com períodos de seca cada vez mais extensos, em paisagens degradadas pelas ações humanas. Nesse cenário, a Agroecologia trouxe conhecimentos para o planejamento e o redesenho de agroecossistemas baseados nos princípios da ecologia (GLIESSMAN, 2018). 

 Nesse campo da ciência, o manejo dos recursos naturais é uma ação social coletiva que gera e dissemina tecnologias para novas formas de produção e consumo sustentáveis que contribuem na redução dos efeitos da crise ecológica da sociedade contemporânea (GUZMÁN et al., 2013), transformando agricultores em promotores da restauração da paisagem com sistemas produtivos menos dependentes de insumos externos (STEENBOCK et al., 2013). 

Em 2011 a Rede Agroflorestal surgiu de mutirões agroflorestais que reuniram pessoas vinculadas à reforma agrária e ao novo rural com o objetivo de praticar e disseminar os SAF para restaurar a paisagem na bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul. 

Em uma análise dos espaços cultivados com SAF, constata-se novas relações entre agricultores e a paisagem, que transformam a terra degradada, recoberta com capins, em solo fértil e produtivo. Dar continuidade e fortalecer a articulação entre essas iniciativas é um passo no desenvolvimento da agenda de restauração. Ainda há 46,5% de áreas aptas para a agrossilvicultura nesta região (PADOVEZI et al., 2018). 


 Conclusões 

As informações obtidas no levantamento confirmam a importância dos SAF na geração de renda e inserção dos agricultores familiares na regeneração da paisagem do Vale do Paraíba. 


Literatura citada 

Gliessman S. Defining agroecology. Agroecology and Sustainable Food Systems, v. 42, n. 6, pp. 599–600, 2018. 

Guzmán E. S., Woodgate G. Agroecology: foundations in agrarian social thought and sociological theory. Agroecology and Sustainable Food Systems, v. 37, n. 1, pp. 32– 44, 2013. 

Padovezi A et al.. Oportunidades para restauração de paisagens e florestas na porção paulista do Vale do Paraíba: Plano de Desenvolvimento Florestal Territorial para a porção paulista do Vale do Paraíba. Governo do Estado de São Paulo, Secretaria do Meio Ambiente, Programa Nascentes, Porto Alegre: Ideograf, 2018. 132 pp.

 Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba. 2022. Plano de Ação da Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba. Orgs.: Devide ACP, Lopes P, Camilo LB, Ferreira TG, Oliveira MF. São Paulo, Brasil: 2021. 57 pp. Relatório técnico. 

Steenbock W, Vezzani FM. Agrofloresta: aprendendo a produzir com a natureza. Curitiba: UFPR, 2013. 148 p. il.




8 de fev. de 2023

Cultivos agrícolas sustentáveis como proposta de Serviços Ecossistêmicos e o resgate cultural no Vale do Paraíba (SP)

 Autora: Renata Egydio C.C. Manço.

Em 2019, fotografando e ajudando nos relatórios do Projeto FAPESP 2018/17044-4 que estava sendo desenvolvido o Vale do Paraíba, sob o título - Avaliação de Crescimento e Produção de Espécies Florestais Nativas e Culturas Usando Modelos 3-PG e YieldSafe, coordenado pela Prof.ª Dra. Maria Teresa V. N Abdo, conheci as agroflorestas do Vale e a REDE AGROFLORESTAL. Me apaixonei pelos Sistemas Agroflorestais (SAF). Minha frase predileta é: A AGROFLORESTA É A MAIS SUSTENTÁVEL DE TODOS OS CULTIVOS.

 
Imagem de plantio de guanandi (Calophyllum brasiliense) do Viveiro de Mudas Mata do Vale - Lagoinha, que apoiou o projeto recebendo a equipe para determinação de carbono nas árvores (2022).

Rabisquei um projeto e fui tentar fazer um doutorado (terceira tentativa) na Universidade de Araraquara (UNIARA), por possuir um Programa em Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente, multidisciplinar e aceitar uma jornalista estudando SAF. Tenho como orientador o Prof. Dr. José Maria Gusman Ferraz e coorientadora a Dra. Maria Teresa, a grande incentivadora desse projeto.

Orgulhosíssima por nascer e estar novamente vivendo num "Vale Agroflorestal", diferente de todas as outras regiões desse País, queria conhecer melhor os SAF, os agrofloresteiros, os cultivos, o que mudou na vida dos agricultores e agricultoras que mudaram para esse tipo de cultivo e a partir dessa transição, identificar os serviços ecossistêmicos gerados, visando sugerir políticas públicas com vista ao fortalecimento da agricultura familiar, segurança alimentar e segurança hídrica, resgatados pela preservação e incentivo de plantio de espécies da Mata Atlântica nos sistemas de cultivo local.

Equipe de trabalho determinando a fotossíntese em cúrcuma no sub-bosque de um SAF na APTA Vale do Paraíba em Pindamonhangaba (2022).

Para essa pesquisa vou utilizar os dados do Questionário do Plano de Ação da Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba (2021), elaborado com apoio do WRI, para caracterizar e mostrar a evolução dos SAF no Vale e fazer uma linha do tempo de 2011 até 2021, com ajuda de fotos de satélite e dos mapas da rede MapBioma de Mapeamento.

O Plano de Ação da Rede Agroflorestal é o documento que baliza a estruturação da Rede para fortalecer os SAF, a agricultura familiar e a agroecologia no Vale do Paraíba.

Além disso, como o projeto FAPESP 2018/17044-4 ajudou com insumos 35 agricultores que estavam implantando SAF durante a pandemia de Covid-19, esses atores fazem parte do meu “universo amostral” para aprofundar minhas pesquisas. Em São Luiz do Paraitinga, serão abordados 12 pequenos proprietários rurais que utilizaram como técnica de reflorestamento o plantio direto de mudas e tiveram acompanhamento e capacitação da SIMA - Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente ppor meio do Projeto Conexão Mata Atlântica. Em Lagoinha, serão entrevistados 15 agricultores do Assentamento  Egídio Brunetto que usaram a técnica da muvuca de sementes para a formação dos SAF, com o auxílio da Rede Agroflorestal e, em Cunha serão 8 agricultores que fazem parte da Associação de Produtores de Cunha (APAC) que foram preparados e acompanhados pela OSCIP SerrAcima para a transição agroecológica, e fizeram plantio direto de mudas em encostas de morros.

Essa pesquisa tem três vertentes:  o estudo dos Serviços Ecossistêmicos (SE) em Sistemas Agroflorestais (SAFs) e o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA); O resgate cultural, onde será pesquisado a utilização da produção dos SAFs implantados nas três cidades na alimentação, na comercialização e beneficiamento e, será avaliada as percepções dos agricultores frente a todas as mudanças ocorridas nessa transição agroecológica.

Equipe do projeto na APTA Vale do Paraíba em Pindamonhangaba - SP (2022).

Para fazer todas as análises elaborei dois roteiros de entrevistas, um para os 35 agricultores e o outro para os técnicos que acompanharam o desenvolvimento dos SAFs. Com as respostas dessas entrevistas e os dados liberados pela Rede Agroflorestal e pelo Projeto Conexão Mata Atlântica muitas análises serão feitas, destacando a análise multivariada, que é uma técnica analítica que usa informações de várias fontes, simultaneamente, para obter uma imagem mais completa e mais otimizada do ambiente e mostrar a interdisciplinaridade existente entre todas essas questões.

No final do trabalho e com os dados analisados a ideia é elaborar uma proposta de política pública municipal para o fluxo da produção dos SAFs e, um livro de receitas com produtos agroflorestais, da cultura local.  Preciso da ajuda de vocês!!!!!

Renata Egydio C. C. Manço, autora da pesquisa é jornalista científica e trabalhou na assessoria de imprensa da CETESB e depois no Comitê de Bacias do Rio Paraíba do Sul. Em 2018 encontrou a Dra. Maria Teresa numa reunião do Comitê e logo começou a participar do projeto que ela coordenava no Vale do Paraíba.


Imagens: Renata Egydio e Antonio Devide

Revisão e edição para o blog: Antonio Devide - pesquisador da APTA Regional de Pindamonhangaba