29 de dez. de 2023

Aspectos Econômicos dos Sistemas Agroflorestais Biodiversos e seus desafios - por Renata Egydio

O tema “Aspectos Econômicos dos Sistemas Agroflorestais e seus desafios” foi apresentado no XIII Encontro de Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente, que aconteceu no dia 15 de dezembro, na Universidade de Araraquara (UNIARA). O objetivo desse trabalho é avaliar os aspectos econômicos e os desafios para tornar os SAFs Biodiversos rentáveis, contemplando a agrobiodiversidade dentro no conjunto da biodiversidade do bioma Mata Atlântica. O trabalho foi apresentado pela pesquisadora Renata Egydio de Carvalho, sob a orientação do Prof. Dr. José Maria G. Ferraz (UNIARA) e Dra. Maria Teresa N. V. Abdo (Apta Regional de Pindorama).

Existem inúmeras lacunas de conhecimento sobre os agrossistemas biodiversos, com muitos projetos pilotos em andamento, para resultados que satisfaçam as dimensões ecológicas e econômicas. Agregar questões financeiras às abordagens relacionadas aos SAFs traz benefícios e as potencializa, pois, a luta efetiva contra a pobreza no campo exige desenvolvimento de sistemas produtivos e que gerem aportes financeiros em todo o período de existência do sistema. 

No Vale do Paraíba, as áreas de SAF já implantadas assumem papel relevante para as pesquisas, que podem indicar as tipologias e as espécies mais adaptadas às diferentes formações florestais nos diferentes compartimentos da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul (SP), contribuindo no aumento da capacidade de conservação da biodiversidade e mudança na vida dos agricultores.

Para fazer essa análise foi utilizada dados do Questionário da Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba e WRI -World Resources Institute, aplicado em 2021, para o Plano de Ação da REDE. São apresentadas propostas de soluções para tentar absorver os desafios para criar uma cultura florestal, num país que tem 58,5 %  do seu território coberto por florestas, com perguntas que precisam ser respondidas, através de pesquisas, fomentando projetos para identificar as melhores opções, cujo maior desafio são as mudanças climáticas.

O SAFs Biodiversos podem competir, em lucros, com as monoculturas do Agronegócio? 

O Climatologista Carlos Nobre, integrante da equipe de pesquisadores do IPCC, que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2007, por alertar sobre os riscos do aquecimento global e lutar pela preservação ambiental, falando sobre os negócios sustentáveis que fazem frente ao desmatamento da Amazônia, declarou que “um hectare de sistema agroflorestal rende, em média, mil dólares por ano, o que é cinco vezes mais que o rendimento da soja e dez vezes mais o do gado (ECOA UOL). O Globo Rural de dois anos atrás (04/09/2020) já havia publicado que “Segundo modelo de viabilidade econômica desenvolvido pelo WWF-Brasil em parceria com Universidade Federal do Acre, Embrapa e Secretaria Estadual de Meio Ambiente, a recuperação da vegetação nativa em sistemas agroflorestais pode gerar um retorno médio anual de mais de R$ 4.500 por hectare.

“Os sistemas agroflorestais, além de serem uma importante alternativa para manter a cobertura vegetal, geram 20 vezes mais empregos e até 93 vezes mais renda que a bovinocultura extensiva” é o que conclui a dissertação de mestrado do pesquisador Robert Davnport, aprovada pelo Centro de Pós-Graduação em Agronomia Tropical, Pesquisa e Ensino (Catie), da Costa Rica ( AgroLink, 2013).

Se os SAFs são tão bons economicamente, onde estão os gargalos?

A questão colocada pelo pesquisador João Carlos Canuto, da Embrapa é: os Sistemas Agroflorestais (SAFs) têm capacidade de suprir as demandas globais por alimentos e ainda promover a conservação dos recursos naturais para as próximas gerações (Embrapa, 2018). Segundo Canuto, atualmente contamos com SAFs (agroecológicos e biodiversos) consolidados, que funcionam. “O aprofundamento do conhecimento sobre formas mais adequadas de projetar e desenvolver sistemas complexos é um dos pilares para suplantar a escala de experiências pilotos hoje existentes em direção à aplicação socialmente ampla dos SAFs” (Canuto et al. 2013). 

É muito importante uma análise das relações econômicas fundamentais relacionadas aos sistemas biodiversos, e especial a análise de viabilidade econômica e a formulação de índices de desempenho dos sistemas complexos, mas como afirma a pesquisadora Denise Bittencourt Amador, da ONG Mutirão Agroflorestal, para considerarmos a economia ecológica, os ganhos devem ser colocados numa planilha,  custos e receitas, gerando dados para estudos, pesquisas de longo prazo nas academias e sistematizar conhecimentos e experiências do campo. “Não temos esses dados aglutinados”.

É necessário redesenhar os agroecossistemas, modificando a forma de utilização da terra e do espaço, consorciando espécies para potencializar os benefícios prestados pela biodiversidade (controle do clima) e pela agrobiodiversidade (segurança alimentar).   A difusão de projetos assertivos, resilientes, produtivos, que possibilitem reforçar os vínculos dos agricultores com os mercados e que sejam adequados às pessoas e aos lugares onde serão implantados, são ferramentas cruciais para melhor uso da terra (Banco Mundial, 2016).

Existem desafios econômicos como falta de linhas de créditos e financiamentos adequados, o menor volume por espécies dificulta a comercialização, maior custo de produção, incerteza temporal do retorno financeiro e desafios operacionais, pois faltam conhecimentos para manejar plantios mistos com espécies em ritmos distintos de crescimento, desafios de mudar procedimentos já consolidados e aumentar a escala de plantios. E tudo isso tem que ser colocado “na ponta do lápis”!

O que temos no Vale do Paraíba? 

Os sistemas de produção praticados nos SAFs do Vale do Paraíba (Fig. 1)  o sistema de consorcio de espécies vegetais é predominante, com  88,7%, mas a tipologia silvipastoril também está presente em 25,4% dos SAFS, com a integração da produção vegetal e animal na mesma área.

Fig. 1 - Sistemas de produção de SAFs 

Fonte: Questionário da Rede Agroflorestal e WRI (2021)

Na Fig. 2a, o cultivo de plantas nativas temos a goiaba (80,9%), pitanga (73,5%), Araçá (58,8%) e jabuticaba (55,9%) são as frutas mais cultivadas nas propriedades agrícolas do Vale e a maior parte da produção dos SAFs é para o autoconsumo (64,8%), mas o excesso é vendido diretamente ao consumidor (63,4%), em feiras-livres (25,4%), vendas de cestas vivas (36,6%) e outras menos expressivas (Fig. 2b).

Fig 2a - Cultivo de plantas nativas e 2b – Destinação da produção
Fonte: Questionário da Rede Agroflorestal e WRI (2021)

Observamos na Fig. 3 que em 65,2% das respostas, informaram que os SAFs ajudaram a aumentar a oferta de alimentos nas mesas das famílias.

Fig. 3 - Se a produção agroflorestal aumentou oferta de alimentos na mesa da família
Fonte: Questionário da Rede Agroflorestal e WRI (2021)

Os principais fatores identificados que limitam a produção agroflorestal são: a escassez de recursos financeiros (23%), mão de obra (14%), equipamentos adequados (13%) e irrigação (11%). São prioridades: melhoria da organização dos mutirões agroflorestais (23%), ATER especializada em SAF (14%), produção de mudas e sementes (14%) e comercialização de produtos dos SAFs, como mostrado no gráfico 1.

Gráfico 1 – Fatores que limitam a produção agroecológica
Fonte: Questionário da Rede Agroflorestal e WRI (2021)

Quais são os caminhos a seguir?

Para concluir esse trabalho foram apresentadas propostas de soluções, discutidas com a banca na apresentação do trabalho,  foi formuladas perguntas que precisam ser respondidas, através de pesquisas, fomentando projetos para identificar as melhores opções para:

- Criar Políticas Públicas e incentivos fiscais e também,  políticas de comercialização, além do PAA e PNAE, e facilitar o acesso a creditos;

- Os SAFs devem ocupar maiores espaços públicos e ampliar a dinâmica da educação ambiental;

- Especializar a ATER e extensão rural para que dialoguem com as questões agrflorestais;

-  Abrir frentes de mercados alternativos para o escoamento da produção, que é pequena em quantidade  e com grande diversidade. Temos que trabalhar o associativismo para que os produtores se unam e ganhem em escala na hora de comercializar;

- Os agricultores tem que ganhar na diversidade e não na quantidade, senão não mudam o pensamento exploratório da monocultura capitalista. O maior legado de um SAF é a sua diversidade, que garante a estabilidade do sistema;

- Ter como foco a agregação de valor ao produto para ter um rendimento que compense a pequena produção cujo ganho acaba ficando com quem faz esta agregação de valor na cadeia produtiva. 

-  E muito importante a quebra de paradigma  na cabeça  das pessoas. Elas esperam que todas as maçãs, laranjas etc...sejam identicas, como clones e produzidas o ano todo . Valorizam as plantas pela sua aparência e não pelo valor nutricional.

- Trabalhar numa monocultura é fácil, você precisa dominar uma planta/ cultura com receitas previamente determinadas pelas corporaçõaes.  No SAF você tem que conhecer várias plantas/ culturas, os ciclos/ colheitas se sobrepõem . É um trabalho  que exige conhecimento da natureza; 

- Deve ser incentivado o beneficiamento, assim conservam os produtos por mais tempo,  além de agregar valor a produção.  Fazer sucos, polpas das frutas, fazer farinha, sabonete, geléias, conservas, chocolate, pó de café, etc.

- Agregar valor ao produto florestal através da certificação, processamento, maquinização própria – desenvolvimento de máquinas apropriadas e acessíveis para todas as escalas;

- Estruturar os desenhos dos SAFs, de acordo com o produto principal elencados pelo agricultor, consorciados a outras espécies sinérgicas, como dimensionar a mão de obra e facilitar a mecanização; Faltam dados sobre a interação das espécies;

 - Como ampliar as escalas de produção,  mantendo toda a complexização? Qual é o limite da simplificação que não pode ser ultrapassado para que os SAFs  não deixem de ser sustentáveis?

- Ampliar os PSAs – Pagamentos por Serviços Ambientais 

- Melhorar a estrutura rural – estradas, internet, serviços essenciais de água e esgoto, etc.

- Criar alternativas (internet; turismo rural, esportes, arte, etc.) para manter o jovem no campo. Agrofloresta requer trabalho de jovens.

- Ampliar as escalas de produção,  mantendo toda a complexização, e saber qual é o limite da simplificação que não pode ser ultrapassado para que os SAFs  não deixem de ser sustentáveis;

Enfrentar, as Mudanças Climáticas é o maior desafio apesar dos SAFs proporcionarem resiliência.


SAF no lote da Deise, em Tremembé

SAFs no Sítio Bela Vista, em São Luiz do Paraitinga

APTA Pindamonhangaba

Referências bibliográficas

AMADOR, D. B. Sistemas Agroflorestais: Como funcionam e aspectos econômicos. EPBIO 2023 . SEMIL- Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo.

AGROLINK - Sistemas Agroflorestais geram mais renda e emprego que pecuária, aponta estudo feito em MT. Portal do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Publicado em 19/09/2013. Disponível em: https://www.agrolink.com.br/noticias/sistemas-agroflorestais-geram-mais-renda-e-emprego-que-pecuaria--aponta-estudo-feito-em-mt_183685.ht. Acessado em : 14/11/2023.

BANCO MUNDIAL. Relatório Anual de 2016 do Banco Mundial. Washington, DC, 2016.

CANUTO, J.C.; QUEIROGA, J. L.; CAMARGO, R. C. R. de; BRAGA, K. S. M. URCHEI, M. A.; WATANAB, M. A. Sistemas Biodiversos em assentamentos rurais: monitoramento, papel do conhecimento e especulações sobre políticas públicas. In: JORNADA E ESTUDOS ESM ASSENTAMENTOS RURAIS, 6. 2013, Campina. Caderno de resumos. Campinas: Unicamp, 2013. 14 p.

EOA UOL. Sistema Agroflorestal rende  dez vezes mais que gado. Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/reportagens-especiais/carlos-nobre-sistema-agroflorestal-rende-dez-vezes-mais-que-gado/#cover. Acessado em 14/11/2023.

EMBRAPA .  Sistemas Agroflorestais: experiências e reflexões. Organização de João Carlos Canuto. Brasília (DF), 2018.

FAO. Dimensions of Need - Staple Foods: What do People Eat? Food and Agriculture Organization of the United Nations, 2015. Disponível em: https://www.fao.org/forestry/agroforestry/80339/en/. Acessado em 14/11/2023. 

FAO. Agroforestry provides practical solutions to global problems. Food and Agriculture Organization of the United Nations, 2016. Disponível em: https://www.fao.org/forestry/agroforestry/80339/en/. Acessado em 14/11/2023.

REDE AGROFLORESTAL DO VALE DO PARAÍBA. Plano de Ação da Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba. Orgs.: DEVIDE A.C.P., LOPES P., CAMILO L.B., FERREIRA T..G, OLIVEIRA M.F. São Paulo, Brasil: Relatório técnico.57 pp. 2021

18 de dez. de 2023

Curso de Documentário para a Juventude do MST - por Felipe Gemelli

A tarefa da comunicação, pra qualquer movimento social, é uma tarefa fundamental, que envolve não somente aqueles que estão designados, mas todas, todos e todes que fazem parte da luta e da história. 

Nós dias 02 e 03 de Dezembro, o Assentamento Agroecológico Egídio Brunetto, em Lagoinha, executou uma segunda formação do *Curso de Documentarismo de Impacto Social*, um projeto que envolve o coletivo regional de comunicação do MST Vale do Paraiba, a Grão Filmes e o Sesc, tendo como objetivo, capacitar a base a utilizar as ferramentas do áudio visual, numa ótica contra hegemônica e em defesa do território. 

Dominar essas ferramentas também é uma importante forma de luta contra as imposições do capital, construindo narrativas populares, que representam não somente nas palavras, mas também numa nova estética popular.

A ampliação e o acesso as ferramentas tecnológicas como os celulares, por exemplo, poderia ser um grande avanço na democratização, mas não é o que aconteceu. O capital nos ludibria, constantemente com a individualização do ser e a mercantilização da cultura, da estética e da informação. Tornaram a comunicação, comoddities, mas não qualquer, porque a comunicação perdura nas mentes e nos corações das pessoas, disseminando valores, comportamentos e ideias. 

Durante a execução do curso de documentarismo social, pudemos aprofundar nossos debates e estudos sobre uma nova forma de construir narrativas. Trabalhando a temática dos 40 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, podemos criar uma relação de compreensão sobre o protagonismo e a importância de cada história para o conjunto de uma organização que desempenha um importante papel na luta pela reforma agrária popular. 

As experiências se somaram de diversas localidades, na pluralidade da base onde se idade, cor, gênero ou sexualidade,  são amparados pelo vermelho da bandeira e se transformam em arte. Mais do que dominar uma estética predeterminado pelo cinema estadunidense, pudemos trabalhar os valores políticos que nós unem, pavimentando, mesmo que numa escala pequena, o exercício democrático da comunicação.

por Felipe Gemelli