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Quintal agroflorestal às margens da estrada de ferro no bairro Vila Rica em Pindamonhangaba (SP), Brasil. |
Autor: Antonio
Carlos Pries Devide
Eng. Agrônomo, Dr., PqC do Polo Regional Vale do Paraíba APTA
antoniodevide@apta.sp.gov.br
O
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) alerta que a destruição
de habitats naturais fez emergir pandemias de doenças transmitidas de animais
para humanos, como o Ebola, a gripe aviária H5N1, o Zika Vírus e o COVID-19.
Essas doenças refletem os desequilíbrios ambientais gerados por sociedades
contemporâneas com o cultivo de monoculturas, criações extensivas ou o
confinamento de animais em larga escala, mineração e expansão de cidades com
áreas urbanizadas impermeabilizadas e sem conexão com a matriz florestal que as
cercava.
O
ressurgimento da febre amarela no Sudeste do Brasil ocorreu após extensas áreas
de matas ciliares serem degradadas com o rompimento da barragem de Mariana. Os
surtos de malária dispararam na região Norte com o desmatamento da Floresta
Amazônica e os casos prováveis de dengue, que atingiram mais de 1.69 mi de
pessoas no Brasil no ano de 2015, com 44% das ocorrências no estado de São
Paulo, se deram em decorrência da degradação do meio ambiente e extinção dos
agentes de controle natural do mosquito transmissor Aedes aegypti.
Os
principais fatores que favorecem a pandemia de COVID-19 no Brasil são: a
pobreza decorrente da concentração de riquezas e o baixo nível de instrução; a
falta ou a má alimentação baseada em produtos industrializados, ricos de
ingredientes sintéticos que realçam o sabor, a cor, que garantem a estabilidade
por longos períodos, mas que prejudicam a saúde por baixar a imunidade e
predispor doenças em pandemias, tais como a diabetes tipo 2, a obesidade e
problemas cardiovasculares. A fragilidade no controle da qualidade dos produtos
vegetais e animais quanto aos níveis de resíduos de agrotóxicos, antibióticos e
de contaminantes virais também ampliam os riscos para a população. Os óbitos pelo
COVID-19 são favorecidos por doenças pré-existentes e por condições precárias de
nutrição e saúde.
Nesse
cenário emerge a agricultura urbana baseada na agroecologia, uma ciência
sistêmica que une às técnicas sustentáveis de produção de alimentos aos
aspectos da biodiversidade, da organização social nas relações de geração e
partilha dos conhecimentos, do fortalecimento da agricultura familiar com
sistemas locais de produção e de consumo que possibilitam reduzir a dependência
por insumos externos e promover a soberania e a segurança alimentar e
nutricional, melhorando a qualidade de vida e do ambiente, especialmente em
comunidades marginais.
A
agricultura urbana é uma prática cada vez mais comum na vida de pessoas que
buscam na relação com as plantas estabelecer um novo sentido para a vida, seja
por uma alimentação saudável, seja como terapia o ato de ‘mexer com a terra’.
Em um planeta cada vez mais urbanizado e globalizado a produção de alimentos
frescos como frutas, vegetais, fungos e produtos de origem animal, como o mel
de abelhas nativas sem ferrão, dobrou globalmente em pouco mais de 15 anos e
essa tendência seguirá crescendo à medida que as pessoas perceberem que é
estratégica a produção e o consumo de alimentos produzidos localmente de
maneira limpa em época de crise.
Os
quintais agroflorestais (SAF) são modelos de produção que incluem arbustos e
árvores manejados com múltiplos propósitos: para aumentar a biodiversidade e
trazer equilíbrio biológico para o sistema, para sombra e bem estar ao
trabalhador, como quebra-vento, para produção de adubo verde através da queda
das folhas e da poda e como tutor de plantas trepadeiras, p.ex.
Nesse
trabalho foram identificados os sistemas de agricultura urbana no município de
Pindamonhangaba-SP, na região Metropolitana do Vale do Paraíba (Rio-São Paulo),
com a descrição qualitativa de um quintal agroflorestal. Foram relacionadas espécies
cultivadas, o hábito de crescimento, a idade, o arranjo de plantio, o manejo,
usos e o valor dos alimentos.
Ao
percorrer um trajeto entre os bairros Lessa, Vila Rica e Mombaça (Figura 1)
foram quantificadas as áreas de agricultura urbana.
Figura
1.
Imagem aérea da fronteira agrícola e dos bairros analisados no polígono
amarelo, Pindamonhangaba-SP (Abr-2020). Fonte Google Earth.
Nos
bairros populosos em que os terrenos são menores há pelo menos duas dezenas de
áreas cultivadas em faixas de terras às margens da Estrada de Ferro Central do
Brasil e de áreas ciliares dos Córregos do Vila Rica e Campos Maia, que
contornam os bairros do Lessa, Vila Rica e Mombaça. Além disso, nas calçadas e
jardins internos em reduzidos espaços ou mediante o cultivo em latas, vasos e
jardineiras são cultivadas plantas alimentícias, medicinais e condimentares. Os
moradores relatam que essas atividades são realizadas por lazer; para obter
alimentos frescos; manter a limpeza das áreas que muitas vezes foram
restauradas pelos próprios moradores por servirem ilegalmente como locais de
depósitos de lixo; promoção do embelezamento do entorno das moradias com
benefícios à saúde com o consumo de alimentos frescos e saudáveis e o bem estar
coletivo com o asseio, a sombra de árvores; e o favorecimento do controle
biológico de pragas como o Aedes aegypti. Em três situações havia pescadores
em córregos e ribeirões dessas áreas.
Na
análise do quintal agroflorestal em unidade familiar, com área total de 720 m²
e área cultivada de cerca de 350 m², verificou-se o cultivo de 44 espécies
vegetais com elevada biodiversidade funcional, com ênfase em plantas
alimentícias não convencionais (PANCs) que produzem alimentos o ano todo
enquanto as frutíferas sazonais intercalam produções.
O
cultivo em consórcios é realizado em pequenas ilhas onde as espécies se
distribuem em diferentes estratos (alturas) de maneira similar ao que ocorre em
uma floresta (Tabela 1).
Tabela
1.
Relação de espécies de acordo com o estrato que ocupam nas ilhas de vegetação
de um quintal agroflorestal em área urbana em Pindamonhangaba – SP (abril –
2020)
Na
porção frontal são cultivadas 5 ilhas. A ilha 1 em um canto do terreno dois
arbustos de cabeludinha tem os ramos verticais suprimidos, produzindo cada um
cerca de 2 kg de frutos. A pitangueira com a copa reduzida ocupa o estrato
acima das cabeludinhas. A bananeira ornamental embeleza o jardim, mas é podada
cedendo a matéria orgânica para as frutíferas.
A
ilha 2 na lateral tem a palmeira juçara nativa da Mata Atlântica produzindo 3
cachos/ano com cerca de 1,0 quilo de frutos/cacho, obtendo-se ao todo após a despolpa
manual cerca de 1,5 kg de polpa concentrada congelada para uso tal como o açaí da
Amazônia, e mais 2,5 litros de suco.
A
ilha 3 e a ilha 4 contêm cada uma com um jerivá que produz seis cachos/ano com
cerca de 25 kg cada um totalizando 300 kg de frutos, que são consumidos pela
avifauna, principalmente maritacas, tucanos e registros de jacus no local. Há
demanda por um sistema de despolpa para possibilitar o consumo em larga escala
do jerivá.
A
ilha 5 abrange um mix de arbóreas e arbustos que são podados (topiaria). Sobre
essa vegetação são cultivados cipós: sacha-inchi e maracujá. As castanhas da sacha
são descascadas, torradas em forno elétrico por 10 minutos e armazenadas para o
consumo.
A
ilha 6, assim com as demais se situam nos fundos do terreno. Uma mangueira
frutifica no verão. Ao lado, uma jabuticabeira frutifica quase o ano todo sob a
copa da mangueira. As palmeiras jerivá e juçara são emergentes e junto com o
jerivá sobrepõem o dossel da mangueira. No sub-bosque são cultivadas espécies
que toleram sombra (açafrão e taioba).
A
ilha 7 contém o pati que é outra palmeira emergente do litoral; logo abaixo a
condessa produz em média 30 kg de frutos com o consumo in natura e fácil
despolpa que possibilita o congelamento da polpa. O limoeiro ao lado frutifica
ao lado da bananeira e mais ao lado há um pau-viola manejado com poda como tutor
de orquídeas.
Na
ilha 8 a juçara produz 3 cachos/ano, a bananeira produz 2 cachos/ano de cerca
de 15 kg. Ao lado 2 moringas são podadas a 1,50 m de altura gerando folhagem
consumida em saladas, funcionando como tutor para o cará-moela, junto da mirra.
Mais ao lado uma moita de ora-pro-nóbis é podada anualmente ofertando abundante
quantidade de folhas proteicas.
A
ilha 9 contém uma juçara tutor do pepino-crioulo. Abaixo um araçá amarelo
recebe podas anuais e produz frutos consumidos in natura. Ao lado e abaixo há
pariparoba, labasca, taioba, gengibre ornamental e helicônias. Uma parreira de
guaco completa essa ilha.
A
ilha 10 é formada por um jerivá, abaixo uma embaúba seguida de bananeira /
cambucá e juçara em associação; de outro lado há bananeira figo, mexerica e
goiabeira com melão-de-são-caetano. O cambucá iniciou a frutificação aos 9
anos. Abaixo dessas espécies há cana-do-brejo, taioba, araruta, helicônias e
calatea, que embelezam o jardim.
As
árvores presentes nos SAF ou na arborização urbana, em jardins e áreas
públicas, melhoram a qualidade de vida da população ao reduzir a temperatura e
a carga de poluentes na atmosfera, ao aumentar a umidade do ar e promover o
equilíbrio biológico, ao interceptar as chuvas e reduzir o escorrimento
superficial ao fortalecer a penetração da água no solo, o que é fundamental
para evitar a sobrecarga nos sistemas de águas pluviais e prevenir enchentes em
áreas tais como àquelas visitadas, contornadas por ribeirões.
A
tabela 2 detalha a descrição, o manejo e os usos das espécies no quintal agroflorestal.
Tabela
2.
Caracterização das espécies de um quintal agroflorestal com descrição do hábito
de crescimento, manejo de poda, idade, produto obtido, usos e benefícios para a
saúde (Pindamonhangaba – SP, abril - 2020)
Os
quintais agroflorestais são estratégicos para o equilíbrio ambiental na área
urbana, mas demandam políticas públicas que favoreçam essa prática, pois, são
sistemas que produzem mais alimentos por unidade de área e benefícios muito
superiores do que monoculturas, além de despertar a cidadania e introduzir os
habitantes na restauração ecológica.
Nesse
trabalho foram registradas as contribuições da agricultura urbana e dos
quintais agroflorestais na promoção da saúde e prevenção de COVID-19, por
quatro motivos:
-
Fortalecem a segurança alimentar e nutricional por meio do consumo de alimentos
frescos que melhoram o sistema imunológico para combater os efeitos das
doenças.
-
Promovem o equilíbrio psicoativo por meio do trabalho diário no manejo e
embelezamento dos jardins, na elaboração de arranjos florais, banhos de ervas e
consumo de chás, que são atividades integrativas e complementares que melhoram
a percepção dos caminhos a percorrer para superar os desafios da pandemia.
-
Geram renda com o comércio de excedentes da produção.
-
Promovem o reequilíbrio do meio ambiente urbano.
Referências
bibliográfica
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Artigo submetido em: 05/2020 ao periódico Pesquisa & Tecnologia da APTA Regional