15 de out. de 2019

AGROFLORESTAS INTEGRADAS COM PISCICULTURA

Local> Sítio Terra de Santa Cruz, Aparecida - SP


Por: Engº Agrº Edson Fontella

No dia 20 de agosto os participantes do Curso Pedagógico-profissional de Longa Duração em Agroecologia puderam vivenciar as experiências desenvolvidas no Sítio Terra de Santa Cruz, mantido pelos Engºs Agrºs  Marcos Marsicano e Ana Salles Aguiar e por zelosos colaboradores.  O casal produz orgânicos há cerca de trinta anos e no sítio em Roseira possuem áreas de sistemas agroflorestais beirando os dez; com eles pudemos nos sensibilizar com relação aos desafios inerentes à produção agrícola e à importância do planejamento de atividades e da propriedade.

As principais atividades econômicas desenvolvidas no sítio são: o beneficiamento de bananas em bananas-passa, a criação de alevinos de tilápias e o beneficiamento do açafrão da terra. Além disso, uma grande variedade de alimentos são produzidos nos SAFs, com destaque para o mamão, que encontra mercado consumidor na cidade de São Paulo. Madeiras para o futuro também merecem destaque, como o araribá rosa e o cedro africano.

Figura 1 produção de café e banana em sistema agroflorestal

A Engª Agrº Ana Salles nos explicou que a qualidade dos seus produtos (atestada por nossas papilas gustativas), além de ser conseqüência do bom manejo do solo, dos nutrientes e das plantas, “vem do amor incondicional, que é a condição básica para se fazer agrofloresta”, nas palavras dela. De fato, a filosofia se aplica ali na forma de uma agricultura regenerativa ao solo e aos processos biológicos; também se aplica na boa convivência com empregados, os fornecendo capacitações e sensibilizações para melhor qualidade de vida.


Figura 2 Marcos nos explicando sobre a dinâmica e funcionamento do SAF

O Marcos nos acompanhou numa visita de campo. Primeiro, visitamos as criações de alevinos. O sistema funciona com a reutilização da água, que retirada do fundo das baias com a “sujeira” rica em matéria orgânica, passa por um tanque de decantação primário para a retirada de sólidos. Em seguida, a água passa por tanques com plantas aquáticas (primeiro o papirus e depois a alface-d’água), chamados de 'wetlands', retornando a água em seguida para os tanques de alevinos ou sendo utilizada na fertirrigação de determinadas áreas de SAFs.


Figura 3 oxigenação de um dos tanques de alevinos


Figura 4 Wetland para filtragem biológica com alface d'água

Dentre todos os sistemas agroflorestais do sítio, o mais antigo (e por isso chamado de “Pioneiro”), produz principalmente banana nanica e mamão, tendo ainda espécies de café, araribá rosa, pupunha, dentre outras. Sob os aspectos do manejo, chamou a atenção a experiência de que a calda bordalesa (utilizada no combate à cercosporiose do café), provoca desequilíbrio do elemento nitrogênio na planta e para contornar o problema o Marcos nos disse que adiciona entre 0,5 e 1,0% de xixi de vaca na solução da calda. Também, foi interessante constatar o efeito protetor contra geada de um estrato de plantas mais alto sobre as bananeiras, que apresentam elevada produtividade.


Figura 5 SAF pioneiro com bananeiras no estrato médio entremeadas com árvores e palmeiras do estrato alto e emergente em formação.

Foi apresentado a seguir o SAF chamado de “Bambu” por estar próximo a um bambuzal; tem entre suas espécies a banana caipira, o café, o mogno africano, dentre muitas outras. Das duas espécies de mogno, Kaya ivorensis e Kaya senegalensis, a segunda apresentou desenvolvimento melhor. As adubações periódicas deste e dos outros SAFs consistem em adubação foliar, aplicação de farelos com microrganismos, cobertura de solo com matéria orgânica (troncos de madeira e palhada), além de esterco. Este SAF, diferente do anterior, não apresenta “linhas de serviço”, as quais são linhas de plantas cultivadas com destino a serem podadas para virar cobertura de solo (mulch). Marcos nos disse que pretende enriquecer o sistema com plantas pioneiras, a exemplo das gliricídias, árvores que fixam o nitrogênio do ar em simbiose com bactérias do solo e também intensificam a atividade micorrízica, conferindo maior estabilidade do sistema como um todo, pois, muitos desses organismos também se associam com plantas cultivadas fortalecendo a teia da vida do solo. No SAF “Bambu”, também, aprendemos que a mudança radical da quantidade de luz (derivada da poda de plantas que ocupam dossel), pode causar estresse em plantas de estrato inferior, como no caso, o cafeeiro que “queima” suas folhas. Uma das alternativas é realizar a poda parcial, em que espécies emergentes com o estrato da copa pouco superior ao café são poupadas. Essas espécies em associação interceptam parcialmente a energia luminosa, dando tempo para que o cafeeiro adeque os teores de clorofilas para captar a energia luminosa de maior intensidade, reduzindo os teores de clorofilas 'c' e 'b', que são adaptadas a comprimentos de luz de baixa frequência de subosque, por clorofila 'a' adaptada a alta intensidade luminosa do pleno sol.

O SAF “Flora” é um experimento implantado pelo mestre Zé Ferreira (agricultor agroflorestal do Sertão do Taqueari, de Paraty-RJ) em um projeto associado com a Faro (Faculdade de Roseira), há cerca de dois anos e meio, que contou com a parceria de Laura Schmidt e Edson Oliveira. Esse SAF já produziu em sua fase inicial: abóbora, feijão e inhame. No atual estágio, tem como principais espécies: o cafeeiro e a bananeira, os quais tem suas linhas intercaladas com “plantas de serviço” (adubadeiras), tais como a gliricídia, a tefrósia, a flemíngia e a sesbânia. O guanandi, cultivado como madeira nobre, também se faz presente como “árvore do futuro”. 


Figura 6. Thiago Ribeiro Coutinho do do pré Assentamento Egídio Brunetto de Lagoinha realiza a coleta de sementes de tefrósia para distribuição aos participantes do curso.

O sítio apresenta ainda outras áreas de SAFs, todas com grande diversidade de espécies, estimando-se em pelo menos 50 o número total de espécies dentro dos consórcios. Dentre elas estão: a pffáfia, também conhecida como ginseng brasileiro - tônico físico e mental. Outra planta que nos chamou a atenção foi o rami - erva multifuncional que tem folhas que se prestam à alimentação animal por ter alto teor de proteína e que serve para a extração de fibras, as quais são resistentes e longas.


Figura 7 Marcos realiza a explicações sobre os múltiplos usos do rami (á direita)

Figura 8. Marcos demonstra o cultivo agroflorestal do Ginseng brasileiro.

Por fim, nos foi apresentado algumas caldas biológicas, as quais são preparados feitos a partir da fermentação (aeróbia e/ou anaeróbia) de diferentes produtos com fins a enriquecer um substrato ou  um plantio; os microorganismos eficientes (EM) também são aplicados com farelo de arroz nas áreas de cultivo.
Devido a tantas atividades desenvolvidas e à riqueza dos detalhes, tratos e processos, o tempo de um dia não foi suficiente para vivenciar todos os aprendizados que o sítio poderia nos proporcionar. Da rica experiência no cultivo, processamento e fornecimento ao mercado fica a gratidão e a lembrança de um belo dia de contemplação, cultivo de amizades e troca de experiências.

Imagens: Edson Fontella
Revisão/adaptação: Antonio Carlos Pries Devide - Pesquisador da APTA Polo Vale do Paraíba

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